A humanidade é um cão

Recentemente, presenciei uma ação deplorável. Um homem, em meio público, a dar pontapés em um cão que passava cabisbaixo implorando por comida - ou talvez apenas por carinho. Quanto mais o cachorro se humilhava, mais o homem o batia. Cheguei a confundir quem ali era o animal. Confesso que não tive força moral para defender a pobre criatura - não confio em quem maltrate um ser inerme. Mas sofri a dor do cão.

É triste não esperar nada além disso de uma humanidade que permite que seus semelhantes mofem nas ruas, nas calçadas, nas misérias dessa vida. O homem que ignora a carência de um cão é o mesmo que ignora a carência de outro homem. Lamentavelmente, o homem é mais desprezado que os bichos, porquanto estes possuem qualidades escassas na alma humana - fidelidade e amabilidade. A escassez desses sentimentos deu lugar aos seus antônimos. Tenho conhecimento - e acredito que você, caro leitor, também o tem - da realidade de idosos e crianças que são maltratados por quem deveria defendê-los e guardá-los. É um verdadeira covardia.

Infelizmente, a lógica contrária não acontece. Parece que aquele que se compadece de um cão abandonado não tem compaixão de um ser humano que padece; que é mais fácil adotar um animal de estimação do que uma criança orfã - e é mesmo, porquê um animal não exige tanto quanto uma criança no que concerne à atenção, aos meios de adoção, aos métodos de cuidado, e a tantas outras realidades. No final, abrigar um bicho é mais egoísmo do que qualquer outra coisa. Não é preciso tocar a humanidade de ninguém e é um caminho mais curto para abafar a solidão e a dor de ser um indivíduo humano.

O ser humano é, afinal, egoísta quando agride e quando se exime e permanece inerte ao sofrimento do outro. Sei que é difícil pensar a alteridade, quanto mais vivê-la. Mas penso que viver a solidão e a dor de ser um indivíduo humano é uma espécie de gatilho para compadecer-se da dor infinita que desatina noutro ser semelhante. Pode parecer estranho, mas talvez sejamos sozinhos e tristes para criarmos laços e sermos felizes.

Leonardo Brasil de Matos
Enviado por Leonardo Brasil de Matos em 31/08/2013
Reeditado em 31/08/2013
Código do texto: T4460339
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