A permanência das coisas
 
    Subi uma alta serra que se chama da Tormenta, ao sul de Minas, e foi ali que me veio uma pergunta: o que passa e o que fica? Ali do alto onde tudo se avista, onde o vento mostra sua força e as nuvens sua amplidão, ali me interroguei, porrque a serra tem a mansidão da eternidade feita de pedra, e a aldeia a seus pés, Carmo do Rio Claro, tem a mansidão da infinitude. Ali as pessoas nascem devagar, andam devagar; olham longamente, se debruçam nas janelas, conversam sobre minúcias, cruzam solenes as ruas, se amam com lentidão. Infinitamente fabricam doces eternos, observam a vida a se consumir nas achas do fogão a lenha; a esoar no soro do queijo branco, e a vida parece que não passa, ou passa sem se perder; passa na procissão, morrrem nos momentos devagar e calmamente, como se não morressem. E as noites, completas, com a reticência das estrelas. E todas as dores cabem num coração. E tudo cabe numa pequena igreja, glória feita de mistério. 
    Será que uma aldeia pode perpetuar nossa vida? Será que uma geografia pode nos eternizar? Será que uma serra para sempre existirá? Até quando tudo existirá? Alguém que nasceu aos pés de uma forma perene sente tudo permanecer? Serei eu tão móvel porque nasci diante de um oceano? Tudo passa? Tudo fica?  Será que a passagem das coisas é apena um sentimento? Perguntas ao vento que ninguém responderá. Perguntei ao Drumond que têm dua mãos e o sentimento do mundo, seu livro respondeu. De tudo ficou um pouco, pois de tudo fica um pouco, sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes. O terceiro amor passou, mas o amor continua. 
    As flores que nascem no meu jardim não fazem rewferencia a flores anteriores ou melhores: elas são pelo que são, existem hoje com Deus, diria um padre. São novos passarinhos que cantam nas árvores? Novas crianças que cruzam sozinhas a praça do Carmo ou as mesmas crianças de sempre? Novas palavras que escrevemos, ou as mesmas palavras de antigamente? Quando nos esquecemos de alguém, passar é o esquecimento? Relendo tudo que escrevi aqui, senti que algo ficou em mim. Tudo fica em nós. As palavras eternizam a impermanência, sabemos que o dia passará, mas que o sol vai ressurgir. Tudo é e tudo foi, flor de percepção, uma flor escura, rara, Uma serra desenhada no horizonte guarda a idéia da mais lenta evolução. Depois que subi essa serra, entendi alguns seres que se demoram a viver, pensam antes de responder, hesitam antes de decidir, ele têm em seu coração a permanência do instante". 

Roberto Gonçalves e Ana Miranda