Médicos cubanos II
Retorno ao tema pela atualidade do mesmo e pelo debate que tem suscitado na sociedade brasileira. Toda mudança encontra resistências, mas algumas reações beiram a irracionalidade e mostram o interior e a alma de quem as enuncia. Para exemplificar o que digo pode-se citar a fala da Jornalista Micheline Borges do Rio Grande do Norte no FacebooK. “Me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas tem uma cara de empregada doméstica”. A triste fala da Jornalista revela um duplo preconceito, a saber, aos negros e as empregadas domésticas, e revela ignorância no duplo sentido da palavra, ou seja, ignorância no sentido de preconceito, pejoração e ignorância no sentido de ignorar o significado da palavra, porque a mesma diz me perdoem se for preconceito.
Uma jornalista que não sabe o significado da palavra preconceito revela seu despreparo para o exercício da função, que é exatamente trabalhar, manusear as palavras e para tanto é preciso conhecer o significado das palavras. A jornalista perdeu uma oportunidade de ficar quieta.
Os argumentos usados por aqueles que são contra a vinda dos médicos estrangeiros, principalmente os cubanos, são frágeis e não se sustentam. Um destes argumentos diz que os cubanos sãos escravos porque não vão receber diretamente os seus salários. Além da má-fé, este argumento revela ignorância dos fatos porque o contrato foi realizado entre o governo brasileiro e o governo cubano, e intermediado pela Organização Pan-americana de Saúde. Os médicos cubanos são empregados do Governo de Cuba e por esta razão quem deve pagá-los é o Governo de Cuba. Ocorre o mesmo com os empregados das grandes empreiteiras brasileiras que constroem obras no exterior, por exemplo, no oriente médio e na África. Estes empregados não recebem dos governos estrangeiros, antes, eles recebem seus salários das empreiteiras, e é óbvio que as empreiteiras não os repassam tudo o que recebem dos governos estrangeiros para quem estão trabalhando. Os demais argumentos são igualmente frágeis e não vale a pena perder tempo refutando-os.
Há quem diga que o problema da saúde no Brasil é estrutural, respondo que qualquer criança sabe disso. Entretanto, as deficiências estruturais não impediram a Dra. Zilda Arns de realizar um excelente trabalho de medicina preventiva nos locais mais pobres do Brasil. Através da Pastoral da Criança foram e têm sido salvas inúmeras vidas e houve queda na mortalidade infantil. A grande maioria dos agentes da Pastoral da Criança são mulheres simples e com pouca escolaridade, mas através das informações recebidas e da boa vontade realizaram um trabalho magnífico repassando as mães a informações recebidas e ensinando a estas os cuidados básicos para preservar a saúde das crianças. Tal trabalho rendeu a Zilda Arns uma indicação para o prêmio Nobel da Paz e foi exportado para muitos países, inclusive, a Zilda Arns faleceu no Haiti quando estava implantando a Pastoral da Criança naquele País. Por falar em Haiti, existem mais de duzentos médicos cubanos trabalhando naquele país.
Os médicos cubanos já trabalharam em mais de setenta países. Muitos países importam médicos inclusive os de “primeiro mundo”. Na Inglaterra mais de 40% dos médicos são estrangeiros e nenhum precisa fazer o revalida porque se eles não forem eficientes no exercício de suas funções o governo britânico lhes retira a permissão para trabalhar, ou seja, o revalida britânico é a excelência do trabalho médico no cotidiano. Nos EUA 25% por cento dos doutores são estrangeiros, e inclusive o governo americano facilita o Green card para os profissionais da saúde. Se for enfermeiro (a) consegue o Green card em tempo recorde.
Os médicos cubanos e de demais nacionalidades vão trabalhar nos 701 municípios que nenhum médico brasileiro quis trabalhar, logo, não vão competir com os médicos brasileiros. O fato da medicina cubana ter seu enfoque na medicina preventiva é algo positivo porque não vão encontrar infraestrutura nos 701 pequenos municípios do Brasil, logo, terão que trabalhar com informações, com prevenção e ensinando o doente a cuidar de si próprio.
Deste debate o que mais me causa asco, nojo, é o fato dos profissionais brasileiros que não querem ir trabalhar nestes 701 municípios e não querem que ninguém vá. Não querem resolver o problema e não querem que o problema seja resolvido sem eles. É uma posição absurda para quem fez juramento para salvar vidas. Entretanto, se lermos as entrelinhas observaremos que a atitude dos médicos não passa de corporativismo que visa manter seu feudo intacto, pois para eles os doentes não são pacientes, enfermos, antes, são clientes.