A Coceira da Pulga

E esta mania que me acomete de escrever. Por quê?

É vício?

É o nada para fazer ou é o tudo para registrar?

É terapia, eu sei. Quando escrevo esqueço o mundo. Ou o mundo se canaliza na vontade de escrever. Sei lá?!

Escrevo.

Penso em escrever isto, mas acho que é loucura. Penso em escrever aquilo, é banal demais, concluo. Escrevo outra coisa. Qualquer coisa que me satisfaça à necessidade de escrever.

Hoje eu li em um livro que a Poesia é uma pulga* que faz coçar. Achei engraçado. O escrever é a pulga. Faz coçar até que você se rende à coceira. Escreve. É uma neurose.

A escola de meu tempo – como se o tempo fosse meu – inculcou isto em mim. Também?! Era cópia todo dia de textos clássicos – fecho os olhos e vejo as páginas daquela “Antologia Nacional”. Todo dia também tinha que fazer redação. Havia caderno especial para as benditas. Mal aprendi o “b-a-bá” vieram as “composições” – era assim que se chamavam as redações nos tempos dos grupos escolares.

Eram expostas gravuras pitorescas penduradas na frente da sala e a professora já anunciava:

- É dia de composição.

Como se todo dia não fosse. Escrevíamos. Transformávamos aquelas cenas ilustrativas em palavras segundo nossa imaginação lia a imagem.

Depois, já ingresso no ginásio, era exposto somente o tema escrito no quadro. A gente que inventasse o leme para navegar naquelas águas obscuras que iam dar só a inspiração sabia onde. Navegávamos e chegávamos a um porto ou a uma ilha perdida – senão ficávamos à deriva. Sabíamos que as correções viriam de vermelho. Refazíamos. Era o recalque – escrever correção refazer.

Entre a loucura e a banalidade vou escrevendo. Colcha de retalho: um tecido assim e outro de outro jeito. E quando se vê a colcha está pronta. Quem não sabe costurar, bordar, tricotar, escreve. É desta maneira que o ser humano é. O importante é fazer para ocupar o tempo que não é nosso. Passatempo.

Quem não tece ou escreve, conta. Cálculo para isto e para aquilo. E calculadamente a construção é feita e o empreendimento refeito.

Sobre o que mesmo eu ia escrever? Os tempos são tantos, os retalhos muitos...

Ah! Era só a pulga escondida entre os retalhos e as emendas desta colcha... Vontade mesmo só de escrever sobre isto: a razão de todo escrever.

Leonardo Lisbôa

Barbacena, 26/08/2013

*ORTHOF,Sylvia. A poesia é uma pulga. São Paulo. Livraria Saraiva. 2005.

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 30/08/2013
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