A BIBLIOTECA QUE NÃO TINHA TETO
- Zé, chegou livro novo! – grita Mané, carregando uma carroça recheada de papelão, pela Avenida Prestes Maia, no centro de São Paulo.
- Chegou meu Garcia Marques? – pergunta Zé, no outro lado da avenida, aproveitando o farol vermelho, para vender água e refrigerante no semáforo.
- Chegou esse não, Zé. Mas tem um novo Jonh Lee Carre e aquele livro que você estava esperando o Seara...
- Qual? – pergunta Zé correndo para a calçada, o farol abriu.
- O Seara Vermelha do Jorge Amado.
- Legal! – responde satisfeito Zé – Onde você achou?
- Numa lixeira lá nos jardins, encontrei também toda a coleção do Harry Potter. A molecada vai adorar.
- Sei, não, Mané – diz Zé, correndo de novo para o Semáforo – Essa molecada deveria ler mais Monteiro Lobato.
- Sossega, Zé! – diz Mané, ajeitando um dos papelões que começava a cair – Deixe eles lerem a J. K. Rowling, quem sabe eles não esbarram logo, logo num Mark Twain. Você começou lendo Paulo Coelho. Lembra?
- Fala baixo, Mané!- grita Zé - Pega mal, meu.
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Notas: Esse texto foi baseado nas historia de Severino Manuel de Souza,56, morador do edifício Prestes Maia 911, uma das principais favelas verticais de São Paulo que montou uma biblioteca com livros achados no lixo e doados por entidades assistenciais no subsolo desse prédio invadido pelo movimento dos sem teto em 2002. É nessa biblioteca que centenas de crianças, moradoras do prédio, passam o dia inteiro lendo e se divertindo; lugar também, bastante especial para Lamartino Brasiliano, 38, que abastece o seu acervo cultural, pegando emprestado os últimos “lançamentos” que Manuel traz para a biblioteca. Lamartino adora Jorge Amado, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa e não vê a hora de reler Cem Anos de Solidão pela segunda vez. Ele só não assume que leu todos os livros do Paulo Coelho.