Os quatro vestidos

Belvedere Bruno



Dona Nara preparava o chá, enquanto conversava comigo. Costumo visitar essa amiga de quinze em quinze dias. Tem 87 anos. Sei que sente um prazer imenso com minha visita. Aproveito para declamar, ler textos de Clarice Lispector, que ela adora, e colocar o papo em dia. Ela também gosta de umas fofocas, e isso só consigo levando uma das revistas semanais que falam sobre a vida de artistas.

Esta semana tive uma surpresa. Ela, sentada, tomava chá, e eu me deliciava com o bolo de chocolate e nozes que havia preparado para mim. Não aceita essa minha história de colesterol alto. Diz que ando cismada.

De repente, quando ela começou a falar, percebi uma mudança em sua expressão facial; senti o tom da voz estranho, meio choroso... O que viria? Fiquei nervosa, esperando alguma notícia sobre doença, depressão, qualquer coisa ruim.

O que ela contou pegou-me de surpresa.

"Sou uma pessoa feliz, tenho meus filhos e netos. São presentes, amorosos. Meu companheiro já se foi, deixando uma saudade que nunca se extinguirá. Acredito no reencontro. Isso ameniza a perda. Ainda vejo seu sorriso, ainda sinto suas mãos, após quinze anos de ausência. Mas o que mais me doeu na vida não foi sua partida."

E prosseguiu a narrativa.

"Meus pais morreram cedo. Tinha sete anos quando um partiu após o outro. Um tio me adotou. Sua filha era da minha idade e brincávamos, éramos amigas, enfim, éramos crianças. Uma tarde, meu tio chegou em casa com um embrulho para ela. Quando abriu, vi quatro lindos vestidos trabalhados no peito com 'casinha de abelha'. As cores eram lindas! Azul, rosa, branco e verde. Claro que pensei que um dos vestidos fosse para mim. Mas qual! Todos foram para Julieta, que os vestiu sob o olhar admirado de meus tios. Não me olharam, esquecidos que ali estava uma criança carente, cheia de ansiedades... Foi o dia mais triste de minha vida. Até hoje tenho mágoa dele. Como pôde tratar uma criança daquela forma? Chorei todas as lágrimas naquele dia, vendo minha prima desfilar com os quatro vestidos."

Fiquei ouvindo-a. Até que me restabeleci e disse:

– Amiga, tudo era ignorância, ele não pensava que o fato pudesse gerar tanto trauma. Muitas vezes pequenas coisas deixam marcas tão profundas na vida da gente, mas como os outros podem pressentir isso? É claro que um dos vestidos deveria ser dado a você, porém se ele não teve essa percepção, que você consiga se livrar dessa mágoa. Já é mais que tempo!

Ela, então, falou:

– Nunca! É algo que está arraigado em minha alma. Levarei comigo. Tinha que contar a alguém apenas para me aliviar um pouco.

E continuamos o chá. Comi metade do bolo, ela riu muito das fofocas que contei sobre os artistas. Na próxima semana, irei ao chá levando uma camisola azul-celeste, toda trabalhada com "casinha de abelha" no peito. Pedi a uma vizinha, que adora esse tipo de trabalho, para confeccioná-la na cor preferida de Nara.

Quem sabe o presente consiga diluir um pouco essa mágoa tão insistente, tão abrasadora?

Isso levou-me a refletir mais profundamente sobre a responsabilidade de nossos atos, de nossas palavras no dia-a-dia.

Uma frase impensada, displicente, insensata, pode, de fato, levar a anos de profundas dores... Ou a dores eternas, como parecem ser as de minha querida amiga Nara.