O SILÊNCIO DOS BONS
Não sei exatamente por que há saecula saeculorum (= há um tempão) a humanidade vive o dualismo que induz a ideia de que, no mundo, há coisas positivas e negativas. Talvez por isso, ainda nos primeiros anos escolares, nossas professoras nos ensinam aquilo a que os linguistas deram o nome de “antônimos”. Então, aprendemos que o contrário de dia é noite, de feio é bonito, de honesto é ladrão, de decente é indecente, de humano é desumano, de evoluído é atrasado, de bom é ruim..., e de certa forma, aprendemos o que vêm a ser “virtudes” e “pecados capitais”.
Sobre esses dois termos “aspeados”, os dicionários informam que o primeiro refere-se a uma “qualidade moral e particular, uma disposição estável em ordem a praticar um bem, revela mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa; trata-se de uma verdadeira inclinação”.
Dentre as várias virtudes que existem, cito aquelas que, há muito tempo, “combatem” o que a igreja chama de “pecados capitais”: a castidade se opõe à luxúria, a generosidade à avareza, a temperança à gula, a diligência à preguiça, a paciência à ira, a caridade à inveja, e a humildade à soberba.
Dependendo dos valores cultivados pelas famílias e dos ambientes em que conviveu ou convive, o homem lê o parágrafo acima e entende corretamente, que os substantivos negritados e dispostos à esquerda são virtudes e que os da direita são defeitos, mas também pode acontecer exatamente o contrário.
Todo esse preâmbulo visa a abordar as falas de dois brasileiros que frequentaram a mídia na última semana de agosto de 2013: Micheline Borges e José Maria Pontes. A primeira é jornalista no Rio Grande do Norte e conseguiu fazer uma grande “cáca” na sua vida com a seguinte declaração em sua página no Facebook:
"Me perdoem (sic) se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica. Será que são médicas mesmo?", "Afe que terrível. Médico, geralmente, tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência...Coitada da nossa população. Será que eles entendem de dengue? Febre amarela? Deus proteja O nosso povo!"
Imediatamente, ela recebeu duras críticas, mas aumentou a “cáca” dizendo: "Gente, eu penso assim. Me perdoe (sic) se vocês não pensam igual a mim. Paciência.... kkkkk aparência conta sim! Se eu chegar numa consulta e encontrar um médico com cara de acabado ou num escritório de advocacia o advogado mal vestido vou embora. O mesmo acontece com um restaurante. Você primeiro come com os olhos para depois comer com a boca. A aparência do prato é tudo",
O segundo é Presidente de Simec- Sindicato dos Médicos do Ceará. Com seu incitamento ou conivência, alguns de seus colegas acharam bonito ir para frente do local onde os médicos cubanos inscritos no Programa Mais Médicos estavam sendo capacitados para trabalhar onde a maioria dos doutores brasileiros não querem ir, para chamá-los de “escravos” e de “incompetentes”. São de José Maria Pontes a seguintes palavras: "Isso é uma palhaçada. Como se aprende medicina, português e legislação do SUS (Sistema Único de Saúde) em três semanas?”.
Ao ler essas duas notícias, fui tomada por profunda indignação pelas seguintes razões:
1. É recomendação da legislação do ensino superior, que todos os cursos incluam em suas matrizes disciplinas voltadas para área de humanidades: Antropologia, Sociologia, Psicologia, Ciência Política, Filosofia e/ou, simplesmente, ÉTICA. Presumo que pelo menos a última dessas disciplinas tenha sido apresentada aos srs. Micheline Borges e José Maria Pontes, mas suas recentes posturas demonstram que eles não conseguiram entender que ser ético é basicamente, só fazer com o próximo aquilo que gostaríamos que fizessem conosco. Isso revela uma dessas três coisas:
a) eles colaram nas provas de Ética;
b) seus professores dessa disciplina eram incompetentes; ou
c) seus professores de Ética eram competentes, mas foram vencidos pelas famílias e amigos de Micheline Borges e José Maria Pontes, que lhes ensinaram que os defeitos é que são virtudes
2. Julgar a aparência dos médicos cubanos e a forma como eles serão remunerados, desconsiderando a formação histórica daquele povo e o regime político em que vive, revela que ambos colaram, TAMBÉM, nas provas de História das Américas.
Quanto a mim, sendo fiel aos valores que me foram incutidos, sigo apenas o que disse há 50 anos um cara inesquecível: "O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons." (MARTIN LUTHER KING)