Quanto ela merece

Sou uma das três ou quatro pessoas que, contra todas as expectativas, ainda acreditam em prazos. Confio cegamente em qualquer um que promete aparecer na quarta, resolver meu problema até quinta, ou enviar um e-mail no máximo até sexta-feira. Confio e, como é natural, me frustro. Minhas mais recentes frustrações têm acontecido com as mulheres que deveriam lavar as minhas roupas e o meu pequeno quarto – seguramente, sou a pessoa mais pobre que dispõe desse tipo de serviço. Mas acontece que elas prometem aparecer e não aparecem. Confiando na palavra delas, não me preocupo que a pilha de roupa suja aumente e o meu guarda-roupa se esvazie. Até que os dias passam, elas não vêm, e eu, não querendo andar pelado, obrigo-me a ir numa lavanderia.

Foi assim com as duas últimas mulheres. Até que escolhi uma terceira, minha conhecida da igreja, e que tem a minha idade. É magra, magra como se fosse eu. Juntos, parecemos dois retirantes de um quadro do Portinari. Com nossos corpos, negamos veementemente a informação de que no Brasil as pessoas acima do peso já são maioria. Confesso que essa magreza toda me fez hesitar na hora de chamá-la. Fiquei imaginando a dificuldade que seria empurrar minha geladeira pra fora quando precisasse lavar. Mas acabei convencido por saber que ela precisava do dinheiro e que também era perfeccionista o bastante para não me deixar na mão.

No dia programado ela veio, e com destreza fez o seu serviço. Enquanto trabalhava, ligaram os seus familiares lá do nordeste, para onde quase nunca consegue viajar. Perguntaram se ela estava em casa. Ela provavelmente teve vergonha de admitir que precisa ralar muito para se sustentar, e que ninguém havia dado o estágio de Secretariado pra ela, mas também não quis deixá-los preocupado com isso. Como também não é de mentir, respondeu “não, tô na rua”. E quando terminou o serviço e eu perguntei o preço, ela disse pra eu pagar o tanto que eu achasse que ela merecia.

Deus, eu não tenho tanto!