Observação Necessária
Concordo com o trecho da crônica publicada no Diário de Pernambuco, sob o título: “O mais brasileiro dos gêneros literários”, do médico Meraldo Zisman, onde se lê: “(...) A crônica não representa mais aqueles ouvintes, de narrativas contadas à beira do fogo, à beira da água, ao luar, nas bagaceiras dos engenhos, nas calçadas, nos alpendres das casas, nos balcões das vendas, ou em velórios.”
Quando publiquei o meu terceiro livro “O Cristo Mulato”, em 1982, acrescentei algumas crônicas da minha filha Maria do Carmo (19 anos). Agora, acreditando que as referidas reflitam os personagens do romance e do teatro homônimo, pelos quais todo brasileiro injustiçado passa, transcrevo-as para vocês leitores, a fim de que possam ter uma caricatura das situações que são criadas, e que dificilmente conseguimos superar.
I – Abrasileirando o negócio
O ar estava úmido! Mas, de uma umidez que cortava as narinas desprevenidas. As paredes estavam de óculos, o teto parecia no chão e o piso queimava naquela geleira.
Ele voltara cansado: nada!
Mas, não se trata de um nada que contenha algo, falo de um nada completamente vazio. O ar fedia, e a merda que antes incomodara, devido à sua constância, agora cheirava.
Em seu jardim só nascia capim: e seco!
Expunha os “dentes” podres e amarelos com orgulho: em breve teria uma chapa!
- E das melhores! – Aconselhou o dentista.
Agora erguia o pescoço, e vejam só que ousadia: havia tomado banho com sabonete: não que fosse falta de higiene, era falta: mas, de dinheiro.
Já não se “misturava”, pois aprendera a assinar seu próprio nome, e temia mau olhado.
Chegou na geleira e sentiu que não sentia. Mas, como? Que fedentina é esta?
É que haviam endireitado a fossa, e agora só o ar se fazia presente.
Voltou-se ao fogão e chorou: tentando ver se neste ato, por milagre divino, lágrimas de gordura lhe escorressem pela face, matando-lhe a fome que já não corria , mas acelerava.
Panela...só panela...para sempre panela vazia.
Rápido: enche-a de barro e num brinca: engole e diz que tá gostoso!
II – A morte do morto
Andava pelas ruas, perseguido por uma nuvem negra, sobre sua cabeça, que só vivia atordoada.
Sobe isso...
Desce aquilo...
Já nem conseguia encarar um poste, que se punha mais ereto e firme que sua carcaça velha.
Chegou em casa com a mesma cara de sempre. Cara de nada! Esquecera que havia água, pois afundara-se em seus próprios pensamentos.
Sentiu uma dor!
... Dor? ...
Que era aquilo?, já não sabia distinguir seus sentimentos. Seu estômago vivia em constantes gritos de socorro. Já nem sabia mais o que fazer (e mesmo que soubesse, não podia: como?), deixou-se cair “daquilo”,indecifrável. Sua voz já era um gemido, e quando agonizou ninguém percebeu a diferença.
Lá estavas: “entregue às moscas”.
Sorriu seu último sorriso, quando satisfeito, pensou que iria ser útil às formigas, que se deliciariam com sua carne. Soltou seu último suspiro e sentiu-se criança. Um bebê que acaba de nascer!
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