Acordo e penso na Síria

No meio da noite, acordo e não consigo voltar a dormir. Viro-me para o outro lado, viro o travesseiro, mas nada adianta. Ligo a televisão, assisto a reapresentações de jornais, alguns desenhos, seriados, pregações da Universal. Desligo e tento dormir de novo. Em vão. Já estou impaciente, e então é que não durmo mesmo. Acendo a luz e pego um livro pra ler, de preferência um bem chato. Mas, que diabo, eu começo a me interessar pela história. E agora já estou há tanto tempo acordado que fiquei com fome. O problema é que eu uso aparelho, e isso significa que depois de comer ainda vou ter uma trabalheira danada escovando os dentes.

Suspiro com resignação. Lembro-me do Nelson Rodrigues, que toda noite era acordado pela sua úlcera pontualmente às três da madrugada. Levantava então e ia para a cozinha, onde adulava sua úlcera com um pires de leite. Enquanto fazia isso, Nelson aproveitava para pensar em questões fundamentais. O teatro, por exemplo. Nelson acordava e ficava pensando no teatro brasileiro. Mas eu nada entendo de teatro. Procuro questões fundamentais para poder pensar também. A Síria, por exemplo. Nunca penso na Síria. O mundo vindo abaixo na Síria e eu fazendo de conta que não é comigo.

Eu preferia quando a Síria era notícia apenas por ser a mulher do Pelé. Mas preciso pensar, analisar as evidências, descobrir se o ataque da última semana foi realmente obra do governo, e se foram utilizadas de fato armas químicas – preciso analisar também o tranquilizador argumento do governo sírio de que o país tem armas químicas mesmo, mas que não usariam contra a própria Síria. Imagino a baita insônia que deve estar acometendo o Obama. Os Estados Unidos são nossos insones oficiais. Acontece algo na Síria e os Estados Unidos sabem que cabe a eles resolver. Quando me dou conta disso, percebo que minha insônia não faz sentido. Já estão resolvendo tudo. Faço então uma oração de agradecimento pelo bom Tio Sam e, em paz, durmo com os anjos.