SARJETA E SOLIDÃO

Consigo enfim focalizar as horas no relógio digital: quatro e trinta e oito da manhã. Minhas mãos tremulam enquanto tento me apoiar para sair da cama. Encosto-me à parede e o quarto começa a girar. O vômito pronto para ser expelido no tapete sobe pela garganta. Prendo a respiração tentando chegar a tempo no vaso sanitário. Tarde demais, não passo da porta do banheiro. O jato sai da boca e pinta uma nova obra de arte. Mais uma mancha que terei de limpar assim que me recuperar. De joelhos no chão, procuro algo para me apoiar. Cambaleante, logo consigo levantar. Derrubo o abajur da escrivaninha. Abro a janela para arejar, mas de nada adianta. O cheiro azedo toma conta do ambiente.

Aliviado pela brisa e por ter eliminado parte do álcool do meu corpo, tomo consciência da direção em que as coisas estão avançando. Preciso parar de me matar aos poucos. Se desejo o suicídio, que seja de forma rápida. Olho para fora medindo a distancia entre a sacada e o andar térreo. Pode não ser uma boa ideia, três andares são insuficientes para uma morte instantânea. No máximo, conseguirei umas costelas quebradas e um pescoço fraturado. Ou talvez nem isso.

Procuro pela garrafa de vodca, talvez a única que pode me ajudar no momento. Aproximo o gargalo da boca, mas ao sentir o cheiro da bebida, meu estomago embrulha e a vontade dá lugar ao asco. Sinto nojo da vida que levo. Uma carreira bem sucedida substituída por sarjeta e solidão. Deito novamente, o teto gira menos agora. Respiro fundo, enquanto aguardo que o sentimento de morte passe.

Cinco e onze da manhã. A vista escurece rápido demais. A respiração começa a acelerar. Coração agitado. As mãos suam enquanto a temperatura aumenta. Recorro novamente ao alivio alcoólico, desta vez a rejeição dá lugar ao apaziguamento. Sinto que vai passar, só preciso me acalmar. Um gole curto e seco é mais que suficiente.

Cubro a cabeça com o cobertor para me esconder da luz. Adormeço ainda afoito. Tudo o que eu quero é não mais acordar. Poderia acabar assim, mas a cena vai se repetir.

Cachorro Magro
Enviado por Cachorro Magro em 25/08/2013
Reeditado em 26/08/2013
Código do texto: T4451619
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