CENAS DO COTIDIANO
Embora casados sob o regime de comunhão de bens, há muitos anos, quando a forma do casamento era esta, obrigatoriamente, a esposa sempre reclamava, enchendo os ouvidos do marido: “Tudo o que temos está em seu nome: a casa da cidade, o carro, o sítio… tudo, tudo, você põe no seu nome. No meu nome não tem nada”. Você tem que botar alguma coisa no meu nome também, afinal sou sua esposa e tenho direito a ter alguma coisa no meu nome…
Aquilo já estava passando dos limites. O homem, impaciente, já cansara de explicar para a mulher, que era normal proceder assim, visto que eram sócios no casamento, tudo que era de um, era do outro também, pois que adquiriram juntos, na constância do casamento, e, no Registro de Imóveis, dizia, mostrando para sua amada, veja, está escrito: adquirente, Eu, casado com Você. No caso de vender o imóvel, um precisa da assinatura do outro. A segurança está aí, não importa em nome de quem está o bem.
Parece que ela entendia naquele momento, mas era somente passar alguns anos que voltava aquela “lenga-lenga” de exigir alguma coisa em seu nome. Afinal, repetia ela: Também sou dona e tudo está em seu nome. Afinal, por que você não põe nada em meu nome?
Já sem argumentos e cansado com aquela história, resolveu acertar aquela situação que se arrastava por anos à fio. Ela queria alguma coisa em seu nome, não é?
Pensou, pensou e se lembrou que possuía um “pirógrafo” em casa; daqueles escolares, que a filha usara no colégio e foi resgatá-lo no fundo do “malão de roupas”, esquecido em meio a toalhas e lençóis. Pegou a caixa, retirou o aparelho e o testou, ligando-o na rede elétrica. Tudo bem, a pontinha, em poucos minutos ardeu, mostrando sua cor vermelha, pronto para usar.
Dirigiu-se ao galpão de ferramentas, que ficava fora da casa e passou um tempão lá dentro trabalhando, enquanto sua esposa curtia sua novela preferida, “Irmãos Coragem”, naquele canal de TV que enfeitiçava seus telespectadores com a qualidade de suas transmissões.
Voltando para casa, a novela já se acabara e a mulher já estava quase dormindo. Deitou-se ao lado dela e adormeceu também, com um sorriso maroto no canto dos lábios.
Na manhã seguinte, levantaram-se e tomaram o lanche matutino, como faziam juntos há anos. O homem, esperou o fim do desjejum e sorridente, pegou a mão de sua mulher e levou-a até ao galpão, onde, na véspera, trabalhara arduamente. Chegando lá, pediu à esposa para fechar os olhos quando abrisse a porta. E ele foi falando: – Você sempre e durante muito tempo reclamava que tudo que possuímos somente estava em meu nome e nada em seu nome. Então, você vai conferir que muitas das coisas que possuímos, agora está em seu nome. Dizendo isso, abriu a porta do galpão e pediu para ela abrir os olhos e ver:
- No chão estava o arado, o serrote, o martelo, a enxada, a pá, o machado e até a sela do “almirante” (o cavalo) e a canga do “mimoso” (o boi de carro) com o nome da mulher, gravado em fogo. O homem, mãos na cintura, chapéu de palha, calça de zuarte, camisa xadrez e descalço, olhava do alto, para sua esposa, conferindo sua reação, enquanto falava: Então, agora está satisfeita? Coloquei tudo no seu nome, conforme você vem me “azucrinando” durante tanto tempo!
A mulher foi andando e olhando calada, cada ferramenta com seu nome gravado no cabo, ou em outra parte da peça…
Ao passar pelo machado, abaixou-se, pegando-o e partiu pra cima do marido, que correu morro acima (estava descalço, já pensando nesse desfecho). Como ele era maior e sem nada nas mãos, facilmente se escafedeu, visto que ela, baixinha e com aquele machado nas mãos, não seria parada para ele.
Dizem que quando algum amigo visita o sítio ainda pode ver no cabo de algum daqueles petrechos, o nome da proprietária gravado ali e mais ainda, que o marido gozador arcou com o risco daquela “tramoia”. Hoje, o carro “zero bala”, importado, está no nome dela e outros imóveis que o casal adquiriu a partir daquele fatídico dia, estão igualmente registrados em nome dela. Tudo direitinho conforme ela sempre quis e pediu durante tanto tempo, com o consentimento maridão…