Forte ser - lição de água
Mandaram-nos parar de olhar, com os olhos mesmo, e para de falar. Confesso que atendi mais a primeira.
Uma voz meiga fez-nos parar e ouvir, e falou de sonhos, e falou de luz, sabedoria e convivência, e pessoas, e escola.
Essa mesma voz inspirou-me. Na verdade, a dona da voz inspira.
Parei, ouvi, refleti. Não sonhei. Parei de sonhar faz um tempo. Porém, viajei. Viajei outras paisagens. Viajei outras formas.
Tomei corpo diferente: IMAGINEI-ME ÁGUA. E se eu ia ser água, precisaria decidir-me onde ia ser água.
Pensei em ser fonte; fonte de água cristalina, a jorrar de um belo elevado natural, banhado pelos ventos, acompanhado de aves e seus ninhos e filhotes. Que belo quadro! Entretanto, a fonte limita-se a jorrar sempre no exato lugar, está presa, imóvel, também inatingível, distante. E aí não gostei.
Melhor ser riacho. Aquele mesmo formado a partir da fonte, aquele fio d'água bem fino que se eleva se ajeita entre rochas e terra e se escorrega e se desliza. E envia frescor mesmo fino para quem se embebe em suas margens. E faz florescer em suas margens plantas e flores.
Parei para pensar que riacho se detém em sua pequenez e não alça voos mais longos, maiores. Riacho é criatura acanhada!
Melhor ser rio. Rio é mais longo, mais largo… Rio é mais "amostrado"?
Respondo: Não. Rio parece ser mais consciente da grandeza que carrega… Margens longas onde a natureza floresce sem precisar semeador ou cultivador, nem mesmo um regador… Pedras nem precisam ser destruídas para serem superadas (como alguns humanos desumanos fazem com outros). Elas podem ser desviadas, sinuosamente, assim como alguns poucos humanos humanos fazem, com outros humanos, às vezes, nem muito humanos, ou fazem com as barreiras que as ações/reações criam no cotidiano tresloucado da vida moderna. Não quebremos o muro que surge, nos ensina o rio, se podemos atalhar ou pular.
Mas rio é grande na hora da morte. É, na hora da morte. Rio morre, sabia não? E não é a morte da seca ou da poluição. Embora essas também sejam mortes, e mortes tristes, convenhamos. Nem aquela morte que os homens fabricaram com uma represa que apara o rio, faz o bichinho se prender numa água parada. Não. Falo da morte morte que o rio tem quando chega ao fim de sua estrada, a via vida que percorreu com pouca ajuda e muito atrapalho. Quando chega ao seu fim, o rio não se apequena, não se amiúda, não se acanha… Ele, ao contrário, se enobrece, engrandece, agiganta-se fantasticamente e se entrega, se deleita no berço de um mar. Mais, de um oceano. E se derrama com maestria àquele que sabe fazer muito mais, criar muito mais vida e alegria, porque aprendeu a congregar o que os outros - fonte, riacho e rio - aprenderam e acumularam em suas experiências de vida com singela força e nobre fraqueza.
Uma lição das águas.
Luís Eduardo de Almeida - Minha casa só, em 25 de agosto de 2013, 11h37min.