Tão insignificante
Poderia ser um dia como qualquer outro, como qualquer outro dia em que atravesso essa estrada, essa curva, no meio da noite. Porém, dessa vez, algo novo aconteceu: fui atropelado e fiquei atordoado no meio do asfalto.
Não sei quantos carros passaram perto de mim, imagino que alguns quase terminando o que alguém, sem intenção com certeza, começara.
Para minha surpresa, alguém parou o carro logo a frente, no acostamento precário daquele trecho. Dois homens vieram em minha direção. Nesse instante, outro carro passa e quase fui atropelado novamente. Um deles tinha uma lanterna na mão (ali era muito mal iluminado) e pelo visto ela não funcionava. Levantei e comecei a andar com certa dificuldade. Então aquele homem se aproximou e me ajudou a chegar até o lado da estrada, enquanto o outro ajudava com a lanterna do celular.
Estava muito desorientado, e tentei voltar para a pista, sendo impedido por ele que, novamente, me conduziu para o acostamento, mas dessa vez me levando para bem mais longe, onde já começava a mata. Ali, já conseguia me movimentar melhor. Havia sangue em minha boca, e nem eu nem os dois homens sabiam da intensidade dos meus ferimentos. Agora, aparentando um pouco mais de agilidade, me embrenho na mata e ainda vejo os dois voltarem ao carro e seguirem destino.
Se sobrevivi não sei, muito menos eles. Sei que, no desespero da situação, acabei impregnando, com o meu cheiro, a roupa daquele que me tirou da estrada, um cheiro bastante ruim, diga-se de passagem, mas era o meu mecanismo de defesa, que acabei usando instintivamente contra aquele que tentou me proteger, contra aquele que não pensou, assim como todos os outros que por ali passaram, que eu fosse apenas mais um insignificante gambazinho atropelado na estrada numa noite de sexta-feira.