As tulipas
No teto apenas uma luz fosca, três tulipas leitosas e quatro pás de vento espaventando toscas as cinzas que, de tão breves, sumiam no ar. Na estante os livros empilhados, alguns lidos e relidos e outros intactos, se confundiam com revistas de língua estrangeira alimentando os sonhos de viagens, algumas remotas e outras impossíveis. No criado mudo um copo com água fresca matava a sede noturna, umedecia os lábios que emudeciam a boca enquanto sua língua tocava o céu, provocando as palavras para que caíssem como chuva.
Lá fora as folhas caíam leves na terra, deslizando amarelas com a aragem do outono que suspirava por entre as frestas da veneziana branca com o balanço das cortinas na parede verde água escoando lenta.
Ela caminhava por um fio e se equilibrava com os braços abertos.
Como ponteiros de um relógio era certo e preciso que se tocariam na hora cheia de uma meia noite adentrando oca.
Ela olhava as tulipas e as tulipas olhavam prá ela.
Seguiam seus passos na luz fosca e era como se percebessem o que ela sentia. Se falassem, provàvelmente, ela também perceberia.
Mas no momento apenas percebia seus pés descalços a caminhar pelo quarto, e as tulipas no teto, as tulipas no vento, as tulipas afligindo seu corpo leve como uma haste presa a um sentimento ainda em botão.
Ela caminhava sozinha com os pés enraizados no chão.