Duas notícias
Há algumas notícias que falam por si só e, mais do que isso, falam também entre si. Pela manhã, eu havia lido sobre os três adolescentes que confessaram ter queimado vivo um morador de rua no Guará. Discute-se apenas quem foi que jogou o fósforo – a gasolina foi uma garota, filha de policial. E queimaram pela mesma falta de motivo com que se queimam moradores de rua pelo Brasil afora, e aqui em Brasília em particular, referência nesse tipo de crime após a morte do índio Galdino há mais de quinze anos. Queima-se porque não se suporta que sejam moradores de rua e porque, havendo mal a fazer, o melhor é que seja feito contra quem não tem nada a perder. E também porque presume-se que quem mora na rua boa coisa não pode ser, pois certamente estão todos envolvidos em diversos tipos de delitos na região. Também para fazer justiça, queima-se vivo.
Essa foi a notícia da manhã. Pela tarde, outro morador de rua foi destaque. Adeílson Mota de Carvalho, 37 anos, carregador nas proximidades da Rodoferroviária, encontrou o estudante Felipe Dourado, desaparecido há quase duas semanas e que desde então mobilizava a cidade. O morador de rua havia visto os diversos cartazes de “Desaparecido” espalhados por Brasília, e notou que havia uma extraordinária coincidência entre o retrato que eles exibiam e o sujeito que encontrou dormindo em um papelão embaixo de uma jaqueira.
Chamou o jovem pelo nome, mas ele negou que se chamasse assim. Procurou então um cartaz para se certificar de que não havia se enganado. Tendo certeza, avisou a Polícia Militar de que o havia encontrado e pediu que chamassem logo os familiares do jovem. Feito isso, pediu ajuda a alguns funcionários de uma autoescola na região e com eles organizou uma espécie de cerco para que o rapaz não fugisse. Assim foi feito até que chegasse a irmã de Felipe, e depois outros familiares e a própria PM. Tudo isso fez Adeílson, não obstante morar na rua.
Eis aí as duas notícias que tão bem dialogam entre si.