A espécie do dinheiro
Andaram saindo alguns números por aí. Gosto dos números porque não são de meias palavras, como disse o velho Machado. E um desses números dizia que 94% dos habitantes do Distrito Federal usam cartão de crédito ou débito. Tudo é uma questão de interpretação. A grande notícia seria o inverso: 6% dos moradores não usam cartão. Entre eles me incluo. E foi extraordinário que quando eu anunciei isso surgiram de todos os cantos gente que nunca imaginei enchendo o peito e falando cheio de orgulho “eu também”. Isso é bom. Não me sinto tão sozinho. E especialmente para esses eu tenho uma constatação a fazer: hoje em dia nada causa mais espécie no comércio local do que o dinheiro em espécie.
É verdade, estou sujeito diariamente às manifestações de má vontade. Com direito a cara feia e tudo. Já que não vai usar cartão como todo mundo, o mínimo que esperam de você é que dê um jeito de facilitar o troco. Outro dia almocei num restaurante (fuleiro, admito) cujo almoço custava R$ 9. Dei uma nota de R$ 10 e me pediram mais R$ 4. Isso quando não surgem pedidos ainda mais surreais, do tipo “Você não teria por acaso dois reais e trinta e sete centavos?”. Um dia desci do ônibus em que o cobrador começou a resmungar porque eu havia dado R$ 5 para uma passagem de R$ 2. E agora temos notas novinhas, de tamanhos diferentes, com cores bem bonitas... mas eu me pergunto pra quê mesmo? Tenho quase que pedir desculpas para poder usá-las.
Outros números: 83% das famílias do DF está endividada. Mais uma vez sugiro a inversão da notícia. É singular que exista 17% de famílias sem uma mísera e escassa dívida. Humildemente, venho reivindicar o meu pertencimento a esse grupo. Verdade que tenho a vantagem de ser uma família de um morador só. Mas Deus sabe a que custo tenho me mantido nesse grupo. Comprei o livro de crônicas do Tezza cheio de culpa, sentindo-me quase um pecador. Olha lá, hein Tezza. Quero ver se vai segurar a responsa de desequilibrar meu orçamento.