Praga de Professor

A única coisa que tenho certeza absoluta em relação às minhas lembranças de infância, aos anseios de meus pais sobre meu futuro, aos meus sonhos... é que a profissão de professor não estava em nossos planos. Engenheiro, arqueólogo, desenhista, ator, até baterista de banda de rock eram algumas das opções, felizmente, acredito, não segui nenhum desses caminhos. Tenho uma imensa capacidade de adaptação e creio fielmente que estou na profissão perfeita.

Não me recordo qual foi o primeiro livro que tive em minhas mãos, ao menos de literatura, mas lembro-me muito bem que vivia “fuçando” uns livrinhos que meu pai comprava toda semana nas bancas de jornais. Suas folhas eram amareladas e tinham um cheiro bem particular. Eram sempre histórias de faroeste (é assim mesmo que se escreve?!): cavalos, cowboys, fazendas, índios (Apaches), um valentão, a mocinha e um bandido: - Bang-bang!

Outra lembrança muito clara, que também vinham das bancas de jornais, eram os livros de histórias infantis com discos acompanhando, discos de vinil, compactos com canções para acompanhar a leitura dos contos de fadas: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou...”, “Quem quer falar com a senhora baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha”... Eram sensacionais!

Fui alfabetizado muito cedo, aos cinco anos já lia e escrevia e adorava! Minha irmã, que também é minha madrinha, toda semana me trazia, além dos livros de histórias, cadernos de caligrafia que eu degustava vorazmente. Livros enormes me deixavam louco de curiosidade, “O corcunda de Notre dame” e “Dom Quixote de La Mancha”, devorei-os.

A literatura brasileira e portuguesa só entraram em minha biblioteca particular na época do ginásio (atual 6º ao 9º anos) e entrou de forma trágica. Um tal de Oswaldo, professor de português que não suportava (A antipatia não era gratuita. Ele substituiu um professor de português que gostava demais! E o pior que não lembro o nome dele, sabia?). Pois é, o professor Oswaldo (com “W”) me obrigou a parar de ler um clássico da literatura americana de Herman Melville, “Moby Dick”, para ler um livro chamado “Cazuza”-nada a ver com o cantor, tá?!- um “livreto” qualquer para crianças, imaginei, de Viriato Corrêa que, confesso, o reli anos mais tarde e amei. A prova bimestral foi toda sobre esse tal de “Cazuza” o qual li rapidamente e no dia da prova desandei a falar mal da obra, esculachei. Ao entregar a minha avaliação, ele, o “Oswaldo”, me deu o maior sermão como se eu estivesse jogado pedra na cruz ou difamado a Virgem Maria, falando em alto e bom som que iria me dar zero. Rasguei a prova calmamente e saí de sala. Descendo as escadas correndo com medo de sua reação, eu estudava no quarto andar, torci o tornozelo. Resumindo: Não contei à minha mãe o que houvera, uma noite de dores insuportáveis sem dormir, pronto socorro na manhã seguinte, uma semana sem ir para a escola, que era o pior de tudo e tudo culpa desse tal de professor Oswaldo com “W” e esse tal de “Cazuza”. Terminei O Herman Melville.

Livros, livros e mais livros me acompanham toda a minha vida, não faço nem idéia de quantos eu já li. Eles me fizeram sonhar, chorar, entristecer, alegrar... Fizeram-me viver e principalmente aprender a desfrutar o prazer de escrever, só é lamentável não ter mais tempo para lê-los como gostaria, sou professor de linguagem – português e inglês. Esta é a antítese grotesca que vivo, possivelmente praga daquele tal de Oswaldo com “W”, todavia, a quem só tenho a agradecer: Obrigado professor!

P.S.: Ah! Ele não me deu zero e tirei uma nota muito boa e no dia de minha formatura, ao apertar minha mão, o professor Oswaldo sussurrou – Você será um excelente professor de português.

Júlio Amorim
Enviado por Júlio Amorim em 21/08/2013
Reeditado em 17/10/2014
Código do texto: T4444484
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