Inconveniência EC
Sexta- feira, noite quente. A semana terminara bem e meus alunos da Telessala haviam concluído as provas bimestrais. Era uma classe pequena, mas todos se esforçavam bastante. As aulas eram proveitosas e animadas.
Admirava o modo como me tratavam, com tanta educação e amabilidade. Coisa rara na vida de um professor, hoje em dia. Adulto dá muita importância para a conquista da leitura e da escrita. Havia pessoas mais velhas do que eu. Elza, por exemplo, tinha mais de 70 anos e era um exemplo de força e alegria.
Filha de japoneses imigrantes, Sueyco tinha uma atenção especial por mim e fazia tudo com muito capricho, exigente e detalhista em tudo. Havia deixado a escola aos oito anos, por imposição do pai, para trabalhar na lavoura.
Lembro-me de um dia que, ao corrigir seus exercícios fiz o desenho de coração no canto superior direito da folha e escrevi “Parabéns”. Era rotina para ela acertar tudo. Ao ver o desenho na folha se emocionou tanto que não conseguiu conter as lágrimas e disse: _ Eu sempre quis ter um coração desenhado no caderno.
Terminada a aula naquela noite, estava eu fechando a pequena escola, que ficava num bairro rural, quando Sueyco me chamou:
_ Professora, professora! Tem alguém gritando ali e deve estar sofrendo muito!
Saí para olhar e não via absolutamente nada. Apenas escuridão, vazio. A iluminação da rua era precária e terminava em frente à escola.
Sueyco estava aflita e deixou todo mundo assim.
A alguns metros da escola havia um posto de plantão da Guarda Municipal, pois embora o bairro fosse tranquilo, ficávamos isolados. Corri até lá para pedir ajuda, afinal tinha alguém gritando na escuridão. O posto de guarda estava fechado. Por sorte os guardas chegaram com o carro patrulha e prontamente me atenderam. Dobraram a esquina e pararam em frente à nossa porta. Sueyco narrou o acontecido. Os demais ficaram em silêncio aguardando a atitude dos policiais.
_ Tudo bem senhora, vamos até lá. Se conseguiu ouvir então deve ser aqui perto.
O policial acendeu os faróis altos. De longe notamos algo vermelho parecido com uma lanterna de carro.
Quando vi aquele par de luzes vermelhas na escuridão pensei comigo: “ Ai,ai,ai. Isso não vai acabar bem”.
Os guardas se entreolharam, sorriram e seguiram adiante. Tinha um carro parado a uns cem metros adiante, ao lado do campo de futebol. Ligaram uma potente lanterna e iluminaram o local. Um homem sai do carro de cueca e ergue as mãos.
Ficamos estáticos em frente à escola.
Cinco minutos depois voltam os policiais:
_ Senhora, realmente uma moça gritou, mas não foi de sofrimento, não. E riram.
Sueyco ficou vermelha como um pimentão, não sabia como reagir e, para completar a situação vexatória, Elza disparou;
_ Não podia ser mais inconveniente essa sua observação!
A perua dos estudantes chegou para levá-los. Sueyco entrou cabisbaixa e sentou-se no último banco, encolhida e silenciosa.
Demorou um bom tempo pra ela rir da situação, os japoneses são muito reservados, mas que foi engraçado... ah! isso foi.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Inconveniência
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