Quando a Cigarra Canta

  É sempre nestas tardes azuladas, mornas que a ouço daqui. O teclado barrulhento da máquina não abafa o som estridente de sua cromática escala. A natureza toda se queda a ouví-la. Há silêncio no gramado se estendendo sobre serras e silêncio continua nas folhas das árvores que, agora, não se agitam... E ela estridula. Não saio a janela para bscá-la. Que adiantaria? Fico quieto, atento ao seu canto, pensando ser possível, ao final de sua área sibilante o seu peito se partir de dor.
   No canto da cigarra que ora me perturba, um quê melancolia insinua-se de mansinho, em meu coração... Transpondo distâncias que o tempo, cruelmente, cada dia, mais afasta de mim, vejo, num longínquo rincão mineiro, a terra incendiada pelo sol de verão, o céu azul líquido, preso em bastidores, a querida serra da Tormenta, molhada de sombras, mesclada de luz, embriagada de verde e de poesia... Contraste maravilhoso da brancura e singeleza da capela da Senhora Aparecida - delicado diadema de luz coroando a serra onde Deus demorou mais o seu pincel e teve mais tempo para estilizar o seu contôrno. Nisto tudo está a minha saudade, nisto está o meu samor sacudido agora pelo estridular desta cigarra que também cantou para a criança de ontem, adolescente depois, em tardes iguais, úmidas de luz, de silêncios longos, perturbado pelo silêncio da cigarra que cantava em árvores amigas, ou pelo barulho dos pardais, escondidos em telhados, riscando, às vezes, em vôos sinuosos o ar...
   Também ouvindo, nesta calmaria, a cigarra estridente, debruçado no janelão rasgado, cigarro queimado entre os dedos, alguém, ternamente, sorria para mim, mergulhado num mundo diferente, vazio de sonhos e ilusões...
                                         
                                         Maria Olívia Vilela César
Maria Olívia Vilela César
Enviado por RG em 17/08/2013
Reeditado em 03/07/2014
Código do texto: T4438885
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