Sujando a água que um dia bebeu.
Por Carlos Sena


Há quem beba água suja até descobrir que ela era impura. Há quem beba água limpa e descobre que o pote que a conduzia estava sujo e lhe contaminou. Há quem, por necessidade, beba água sabendo que ela está suja e que poderá ficar mais contaminada ainda - é quando  a "sede" é maior do que a existência e bebê-lá será a alternativa de vida ou morte... Porém, ( há sempre um porém na vida) há os que bebem água pura e depois que matam a sede querem suja-lá. Ora, sujar a água que um dia bebeu é muito próprio dos humanos pela sua fragilidade, mas também pela sua pouca capacidade de compreensão dos fatos e, acima de tudo, pela sua extrema necessidade de se sentir superior a outrem. Algo como "a mão  que afaga é a mesma que apedreje e a boca que escarra é a mesma que beija", pegando carona em Augusto dos Anjos.
Independente de água, de sede, de boca e de beijo, viver não se permite aos nossos desejos de vingança, nem tampouco de destemperança. A vida tá lá embaixo correndo pelas avenidas e nós da nossa janela só poderemos alcança-lá com os olhos da imaginação. Porque na pratica a vida não nos permite intromissão no seu rito e, belo dia, eis que a ela nos mostra a verdade da água limpa, da água suja, das mãos e do beijo...