Morrer ou sobreviver em Marte?
De 1969 a 1970, o período de mais intensa “exceção política”, aqui no Brasil, quem exclamasse ou reclamasse a falta de democracia, de liberdade para manifestar descontentamentos políticos, suas opiniões ou ideologias diferentes da vigente, poderia ser denunciado, preso como “comunista” ou convidado a abandonar sua terra pelas disfarçadas palavras de “patriotismo”: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Para bom entendedor, esse provocativo dilema expressava mais intolerância e desrespeito às opiniões dos outros do que amor ao Brasil e especialmente a nós, compatriotas brasileiros. Tal slogan, expulsando-nos da nossa terra, era dito e repetido pelos bajuladores de plantão na praça fortificada do regime, divulgado em adesivos e abusivamente pela mídia, e também ensinado nas escolas.
Tal lembrança veio à tona quando li, neste jornal, a notícia de que, espontaneamente, “mais de cem mil pessoas se inscreveram para uma viagem sem volta a Marte, dentro de um projeto que pretende colonizar (como os portugueses, aqui, em 1500) o planeta a partir de 2023”, depois da Copa de 2014, daqui a dez anos. Mas, para isso, haveria “índios” marcianos? Provavelmente não, os indígenas e ao mesmo tempo alienígenas naquele chão encarnado serão os próprios pretensos colonizadores, desde que não encontrem, por lá, pessoas mais civilizadas do que eles... As inscrições para viagem a Marte se encerrarão no final deste mês, pois já contam com gente suficiente para fundar uma cidade bem populosa em Marte; a inscrição para a passagem só de ida custará 38 dólares ou 86 reais pagos a “Mars One”; ficando claro que o percurso da Terra a Marte durará entre sete a oito meses, mesmo sendo voo sem escala.
Tenho escutado, nos cafés e nas ruas, comentários que taxam tais esquisitos viajantes de suicidas, de loucos que deixarão o certo pelo incerto para construir tudo do início; talvez, aqui, as coisas andam mal construídas. Levarão suas culturas, bons e maus costumes. Se valorizarem a educação, corrigirão esses maus hábitos, fazendo das crianças, nascidas por lá, a juventude “janela” para uma nova sociedade. Dessas suscitadas conversas e justificativas, resta-nos a pergunta: aqui na terra, o egoísmo exacerbado, a perda dos valores, os desejos sem limite, a violência, a corrução teriam esgotado, nesses curiosos viajantes, qualquer esperança e idealismo por uma sociedade terrestre melhor, mais evoluída, mais humana, mais justa e com mais amor? Quem sabe? Creio que esses homens e mulheres em mudança, pais de novos marcianos, sobreviverão a todos os obstáculos e intempéries e, superando essas dificuldades, construirão, naquele planeta vermelho, um mundo mais feliz...