PENSAMENTO

O homem pensa que pensa. Pensa que sabe pensar. Ele pensa na família quando está fora dela. Pensa fora quando está em família. Pensa em brincar quando é menino. Pensa em brincar com um brinquedo novo. Pensa em brincar com outro brinquedo quando tem o novo.

Pensa em ir à escola. Quando está na escola pensa em sair dela. Pensa em crescer para ser livre. Cresce. Pensa em namorar. Namora. Pensa em casar. Casa. Pensa em ter um filho. Tem. Pensa em ter mais filhos. Pensa em não tê-los. Pensa por que não ficou solteiro. Pensa por que pensou assim e arrepende-se de ter pensado.

Pensa nas contas a pagar. Paga. Pensa nas contas a fazer. Pensa em eleger o presidente. Pensa em derrubar o presidente. Pensa em falar algo inédito. Pensa em não falar. Pensa rápido. Pensa devagar. Para e organiza os pensamentos e pensa em parar de pensar. O homem pensa demais. Pensa certo? Penso que não. Depois penso que sim. E concluo que não sei pensar.

O homem pensa em Deus como Deus. Pensa em Deus como deus. Pensa em Deus como homem. Pensa em Deus como inexistente. Pensa em Deus como inimigo. Não pensa em Deus. Depois pensa que é Deus. Daí não pensa mais em nada e se revolta.

O homem pensa na vida para levar. Pensa em uma vida que o possa carregar. Pensa em uma vida ausente e mística. Pensa na vida como estado de espírito. Depois como estado de matéria. E finalmente como estado de vida. Se tiver tempo pensa nela como estado de estado.

O homem pensa em ser avô. Pensa na infância. Lembra que foi boa. Pensa na adolescência. Pensa no primeiro amor. Pensa nos planos feitos e desfeitos. Pensa em tudo. Pensa em nada. Pensa. Repensa. Dispensa. Arrepende-se de quase tudo. Arrepende-se de ter pensado. Pensa em arrepender. Mas pensa e arrepende-se de ter arrependido.

Para de pensar por um minuto e pensa por que não pensar. O homem morre. A família pensa por que ele morreu. Pensa que ele era tão bom. Não havia ninguém melhor.

E a vida continua pesando seus próprios pesos e medidas. Pesada com o peso do pensamento. Pensando e repensando. Sem nunca terminar de pensar.

(Texto de 1999).

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 16/08/2013
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