CRÔNICA – A nota triste do meu aniversário – 08.08.2013
CRÔNICA – A nota triste do meu aniversário – 08.08.2013
Estávamos no ano 1987. Eu dirigia, como gerente geral, a Agência do Banco do Brasil, Dantas Barreto, em Recife (PE), por sinal a mais movimentada do Estado, em face do excelente trabalho da equipe de funcionários.
Certo dia me apareceu na gerência uma senhora de nome Mabel, tão singela, e isso se notava logo nas suas vestes, com seu filho ao lado, o Alceu, rapazinho magro, que certamente passava por necessidades domésticas, talvez até mesmo na alimentação. Sua roupa era um tanto surrada, mas limpinha e bem engomada, denotando o cuidado de sua genitora.
Pretendia aquela mãe aflita que eu arranjasse uma colocação para ele na função de “menor aprendiz”, porquanto independia de concurso público, bastando enviar três nomes à direção geral do banco, para cada vaga existente, fornecendo a ordem de preferência.
Confesso que tive pena da situação. Quando surgiu a primeira oportunidade, e não demorou muito, eu recomendei convidar ao meu gabinete três candidatos (a procura era intensa e também havia as indicações dos colégios), entre eles o Alceu, todos acompanhados dos seus responsáveis, porquanto de menoridade. Claro que atenderam ao chamamento; aquilo representava uma luzinha na vida deles, todavia somente um seria aproveitado.
Convoquei os dois gerentes adjuntos para presenciar a escolha e até participar da seleção, enquanto pedi àquelas senhoras que ficassem na sala de espera. Bolávamos testes na hora, mas nada por escrito, a fim de não dar brecha para que se dissesse que esse ou aquele garoto entrou mediante concurso.
Lembro-me, como se hoje fora, que todos se saíram muito bem, tornando-se difícil a escolha. Então resolvi fazer uma “pergunta de bolso” aos três, assim como que os colocando em situação embaraçosa: Algum dos senhores acha que na falta de funcionários da área seria assim como que humilhante um menor aprendiz servir café aos clientes e até mesmo a funcionários? Dois deles, que pareciam ser de classe média razoável, ficaram indecisos, gaguejando, enquanto o Alceu sem titubear disse que de maneira alguma, que o trabalho honesto está acima de tudo, que pra ele não haveria qualquer problema, até mesmo por que sua origem era pobre, mas que sua vida iria melhorar com os estudos. Confesso que adorei essa resposta, que era ela que eu estava esperando. Despachamos os rapazes e suas mães e dissemos que o resultado seria comunicado por telefone ou mesmo telegrama.
Conversei com os adjuntos e eles também adoraram a resposta do Alceu, logo, seria ele o escolhido, uma questão de justiça. Fizemos a comunicação e o convite para o exame médico. Nem seria preciso dizer da satisfação que empolgou toda a família daquele frágil rapaz; tomou posse, recebeu o fardamento e as instruções pertinentes.
Naquela época já se permitia que menores tivessem conta de depósitos. A do Alceu fora aberta normalmente, com direito a talão de cheques, que ele ia usando sem problemas. O contrato de aprendiz era de dois anos, podendo ser renovado por igual período, se do interesse dos serviços. O dele foi prorrogado, sem dúvida. Que Deus proteja ao autor dessa lei a propósito do aproveitamento de menores (eles e elas) como estagiários e/ou aprendizes, porquanto os benefícios para o país e para os contratados e familiares são incomensuráveis.
Perto do final do contrato o menino Alceu começou a soltar cheques sem fundos, certamente fruto de más companhias. Advertido várias vezes, algumas delas na presença de sua mãe, chegou a um ponto que tive de demiti-lo, num dia em que para mim se tornou muito tristonho. Dona Mabel ainda teve a dignidade de me agradecer por tudo que eu fizera pelo garoto.
Aliás, sobre a senhora Mabel devo dizer que desde quando ela me conheceu não perdia a oportunidade de me ligar no dia do meu aniversário natalício, sempre com uma mensagem de paz e sem qualquer mágoa. Com certeza, de pessoas fora da família eram os únicos cumprimentos que eu recebia. Isso me deixava feliz, pois gerente de Banco do Brasil, que passa dois anos numa cidade, dois anos noutra e assim por diante, geralmente só arranja “conhecidos”, coisa completamente diferente de “amigos”, com raríssimas exceções, não há tempo.
Mas neste ano eu esperei aquele telefonema que não veio; pela primeira vez em 26 anos ela falhou; será que adoeceu, ou que falecera! Não sei e nem tenho como saber, pois nunca tive a curiosidade de anotar o número de seu telefone, até porque eu não era doido pra comprar gratuitamente briga em casa. Pra melhor dizer, creiam, eu nunca tive agenda alguma, nem mesmo de pessoas da família, uma falha imperdoável. Lembro-me que sempre ao final do ano eu mandava cartões para os clientes mais próximos, muito embora já em outra agência, todavia não havia retorno, e foi justamente aí que eu pude ter certeza que a pessoa só tem valor enquanto exerce uma posição de mando, de decisão. Resolvi então não mais fazê-lo. Não me arrependo por isso. Hoje eu vivo reduzido a minha insignificância.
Certa vez, quando trabalhava na cidade de Bacabal (MA), anotei o nome da Celma na minha agenda, até por que o contato com ela era quase diariamente, o relacionamento era bom e interessante, frutificava. Minha esposa, mexendo nos meus papéis descobriu esse nome e ficou me chateando o tempo todo para saber de quem se tratava. De propósito, eu despistava, até que um dia, não mais aguentando a pressão, senti-me obrigado a revelar que a Celma era “Centrais Elétricas do Maranhão”, empresa fornecedora de energia elétrica, que mantinha convênio muito bom com o banco na área de cobrança e de depósitos. Noutra ocasião, quando viu o nome da Telma ela nem se preocupou. Tratava-se das Telecomunicações do Maranhão... E aí já viu... Ninguém quer ser otária duas vezes.
Resta-me a felicidade de saber que o Alceu estudou, fez faculdade, mestrado, é professor de matemática da Universidade do Recife, vive muito bem, tem bom conceito na área e na sua especialidade. Ele nunca me passou um fio e nem sequer sei do seu número, pois estou doidinho pra saber notícias de sua tão distinta genitora. Tentei localizá-lo na INTERNET, contudo foram infrutíferas minhas procuras, mas prossigo pesquisando.
Talvez ele tenha ficado magoado comigo, não sei, mas de uma coisa estou certo: A sua demissão do banco deve ter servido de lição para que desse bom destino a sua vida... Hoje como pai de família... Parabéns Mestre Alceu, seja feliz.
Mas vou continuar aguardando o telefonema dela, nem que seja lá do céu...
Ansilgus
Pretendia aquela mãe aflita que eu arranjasse uma colocação para ele na função de “menor aprendiz”, porquanto independia de concurso público, bastando enviar três nomes à direção geral do banco, para cada vaga existente, fornecendo a ordem de preferência.
Confesso que tive pena da situação. Quando surgiu a primeira oportunidade, e não demorou muito, eu recomendei convidar ao meu gabinete três candidatos (a procura era intensa e também havia as indicações dos colégios), entre eles o Alceu, todos acompanhados dos seus responsáveis, porquanto de menoridade. Claro que atenderam ao chamamento; aquilo representava uma luzinha na vida deles, todavia somente um seria aproveitado.
Convoquei os dois gerentes adjuntos para presenciar a escolha e até participar da seleção, enquanto pedi àquelas senhoras que ficassem na sala de espera. Bolávamos testes na hora, mas nada por escrito, a fim de não dar brecha para que se dissesse que esse ou aquele garoto entrou mediante concurso.
Lembro-me, como se hoje fora, que todos se saíram muito bem, tornando-se difícil a escolha. Então resolvi fazer uma “pergunta de bolso” aos três, assim como que os colocando em situação embaraçosa: Algum dos senhores acha que na falta de funcionários da área seria assim como que humilhante um menor aprendiz servir café aos clientes e até mesmo a funcionários? Dois deles, que pareciam ser de classe média razoável, ficaram indecisos, gaguejando, enquanto o Alceu sem titubear disse que de maneira alguma, que o trabalho honesto está acima de tudo, que pra ele não haveria qualquer problema, até mesmo por que sua origem era pobre, mas que sua vida iria melhorar com os estudos. Confesso que adorei essa resposta, que era ela que eu estava esperando. Despachamos os rapazes e suas mães e dissemos que o resultado seria comunicado por telefone ou mesmo telegrama.
Conversei com os adjuntos e eles também adoraram a resposta do Alceu, logo, seria ele o escolhido, uma questão de justiça. Fizemos a comunicação e o convite para o exame médico. Nem seria preciso dizer da satisfação que empolgou toda a família daquele frágil rapaz; tomou posse, recebeu o fardamento e as instruções pertinentes.
Naquela época já se permitia que menores tivessem conta de depósitos. A do Alceu fora aberta normalmente, com direito a talão de cheques, que ele ia usando sem problemas. O contrato de aprendiz era de dois anos, podendo ser renovado por igual período, se do interesse dos serviços. O dele foi prorrogado, sem dúvida. Que Deus proteja ao autor dessa lei a propósito do aproveitamento de menores (eles e elas) como estagiários e/ou aprendizes, porquanto os benefícios para o país e para os contratados e familiares são incomensuráveis.
Perto do final do contrato o menino Alceu começou a soltar cheques sem fundos, certamente fruto de más companhias. Advertido várias vezes, algumas delas na presença de sua mãe, chegou a um ponto que tive de demiti-lo, num dia em que para mim se tornou muito tristonho. Dona Mabel ainda teve a dignidade de me agradecer por tudo que eu fizera pelo garoto.
Aliás, sobre a senhora Mabel devo dizer que desde quando ela me conheceu não perdia a oportunidade de me ligar no dia do meu aniversário natalício, sempre com uma mensagem de paz e sem qualquer mágoa. Com certeza, de pessoas fora da família eram os únicos cumprimentos que eu recebia. Isso me deixava feliz, pois gerente de Banco do Brasil, que passa dois anos numa cidade, dois anos noutra e assim por diante, geralmente só arranja “conhecidos”, coisa completamente diferente de “amigos”, com raríssimas exceções, não há tempo.
Mas neste ano eu esperei aquele telefonema que não veio; pela primeira vez em 26 anos ela falhou; será que adoeceu, ou que falecera! Não sei e nem tenho como saber, pois nunca tive a curiosidade de anotar o número de seu telefone, até porque eu não era doido pra comprar gratuitamente briga em casa. Pra melhor dizer, creiam, eu nunca tive agenda alguma, nem mesmo de pessoas da família, uma falha imperdoável. Lembro-me que sempre ao final do ano eu mandava cartões para os clientes mais próximos, muito embora já em outra agência, todavia não havia retorno, e foi justamente aí que eu pude ter certeza que a pessoa só tem valor enquanto exerce uma posição de mando, de decisão. Resolvi então não mais fazê-lo. Não me arrependo por isso. Hoje eu vivo reduzido a minha insignificância.
Certa vez, quando trabalhava na cidade de Bacabal (MA), anotei o nome da Celma na minha agenda, até por que o contato com ela era quase diariamente, o relacionamento era bom e interessante, frutificava. Minha esposa, mexendo nos meus papéis descobriu esse nome e ficou me chateando o tempo todo para saber de quem se tratava. De propósito, eu despistava, até que um dia, não mais aguentando a pressão, senti-me obrigado a revelar que a Celma era “Centrais Elétricas do Maranhão”, empresa fornecedora de energia elétrica, que mantinha convênio muito bom com o banco na área de cobrança e de depósitos. Noutra ocasião, quando viu o nome da Telma ela nem se preocupou. Tratava-se das Telecomunicações do Maranhão... E aí já viu... Ninguém quer ser otária duas vezes.
Resta-me a felicidade de saber que o Alceu estudou, fez faculdade, mestrado, é professor de matemática da Universidade do Recife, vive muito bem, tem bom conceito na área e na sua especialidade. Ele nunca me passou um fio e nem sequer sei do seu número, pois estou doidinho pra saber notícias de sua tão distinta genitora. Tentei localizá-lo na INTERNET, contudo foram infrutíferas minhas procuras, mas prossigo pesquisando.
Talvez ele tenha ficado magoado comigo, não sei, mas de uma coisa estou certo: A sua demissão do banco deve ter servido de lição para que desse bom destino a sua vida... Hoje como pai de família... Parabéns Mestre Alceu, seja feliz.
Mas vou continuar aguardando o telefonema dela, nem que seja lá do céu...
Ansilgus
ATUALIZANDO – Na data desta publicação, hoje, dia 15.08.2013, na hora do almoço, perguntei a minha funcionária Zefinha se ela não havia recebido, por acaso, uma ligação telefônica da senhora Mabel. “Recebi sim senhor, ela ligou no dia do seu aniversário, mas o telefone chamava, chamava e ninguém atendia, porém prometeu que voltaria a chamar”. Graças a Deus, respondi bastante satisfeito.
Ansilgus