Uma Cena Estranha
Costumo, sempre, quando me dirijo para o centro da cidade entrar em livrarias e ficar olhando, nas prateleiras, a fim de saber se há alguma novidade literária.
Determinado dia, em uma dessas andanças, entrei em uma livraria local e deparei com uma cena um tanto estranha.
Concentrado na observação de alguns livros, fui despertado pela chegada de uma senhora distinta, educada, que perguntou a um rapaz:
- Vocês têm o livro... (e citou o título do livro que não me lembro no momento).
- Sim, disse o rapaz. Temos, mas só temos um único exemplar.
Fiquei observando, porquanto gostaria de saber que livro era esse que havia somente um exemplar.
- Faça-me o favor, moço, - disse a senhora – eu estou trabalhando, aqui no Teatro Arthur Azevedo, ajudando na apresentação de uma peça para crianças e eu não tenho o dinheiro aqui no momento. Guarde-o para mim que mais tarde virei buscá-lo.
- Perfeitamente, senhora, eu o guardarei, pode ficar descansada.
Para minha surpresa o rapaz abriu o livro e no canto superior direito do mesmo via-se o preço do exemplar que estava anotado a lápis. Ele pegou uma borracha, apagou o preço anterior e escreveu outro que equivalia a duas vezes o valor real do livro, justamente no momento em que a referida senhora ia saindo.
Fiquei indignado com a desonestidade do rapaz. Tive ímpetos de chamar aquela senhora e contar-lhe toda a verdade. O mais interessante é que ele viu que eu tudo presenciei e nem por isso ele vacilou. Entretanto, refleti: se eu contasse para a senhora poderia resultar daí uma discussão, uma agressão, um crime.
Alguém poderia dizer que eu estava contribuindo para a divulgação da desonestidade, do descaramento de pessoas, da exploração desmedida de pessoas honestas.
Não disse nada, porquanto eu achava estar contribuindo para a paz, e por ter certeza de que podemos nos livrar da justiça dos homens. Contudo, não nos livraremos de pagar os nossos débitos e erros, porquanto a justiça de Deus não falha.
Calei-me, portanto.
251085