Meus vinte e trinta e poucos anos

Aos vinte anos somos mais bonitas. Temos mais vitalidade.

Nossos cabelos parecem mais interessantes, e o figurino também. A vida segue mais leve.

Mas, aos trinta e seis, nossas amizades são mais verdadeiras e sólidas. Você encontra afinal, o que passou um bom tempo dos seus vinte anos procurando: sua tribo, sua cara, as pessoas que lhe aceitam ou convivem melhor com seus erros. Erra-se bastante aos trinta e seis, mas as intenções são menos auto-destrutivas. Suas emoções são mais claras: você ama ou tolera sua família, seus vizinhos, a natureza, animais e os homens. Você se sente mais estruturada pra enfrentá-los. Aos vinte anos você mal conseguia emitir uma palavra interessante quando o objeto do seu desejo se aproximava. Agora você emite sons, impressiona (para o mal ou para o bem), seduz, observa e se deixa observar com mais desenvoltura. E Sofre. Mas não parece mais que a caixa de chocolate e aquelas fotos dos momentos felizes são seu refúgio perfeito.

Aos vinte anos você vai a luta. Você cresce, estuda, trabalha, paga contas. Aos trinta e seis você paga mais contas. Você sonha com um futuro que não é mais tão distante assim. Você aprende a correr riscos. Mastigar. Estranhar. Deglutir ou Degustar.

Aos vinte anos você exagera. Todos os hormônios falam por você. Seu corpo muda.

Aos vinte você goza de momentos de exagero. De estupor absoluto. Depois você se penteia, sobe no salto e recobra a sensatez. Até o próximo sobressalto. Ou a próxima menstruação. Aos trinta e seis você aprende a ser mais tolerante. Democrática. Você enxerga a beleza das formas. Do formato. Do cheiro. Do gosto.

Aos vinte você experimentou uma porção de substâncias ilícitas. Você já sabe qual é a sua. Já recebeu todos os conselhos, puxões de orelha, panfletos. Nos seus vinte anos você faz furos. Se pinta. Tatua sua imagem preferida. Aos trinta e seis também.

Aos trinta e seis as coisas deixam de ser para sempre. As pessoas do dia a dia são passageiras. Involuntariamente. Você vai ver as pessoas fazerem aniversários cada vez mais caseiros. Com música ambiente. Você, que sempre defendeu a liberdade e o sexo com atitude, vai se emocionar no casamento dos seus amigos. Desejar parabéns pela gravidez ou nascimento do filho (talvez o segundo até) daquela sua colega de curso, trabalho.

Você vai aprender que os colegas de trabalho, seu chefe, os vizinhos, o guardador de carros, não são pessoas do mal, nem do bem, portanto não estarão preocupados com seu sofrimento e suas angústias. Assim como você nem sempre é solícito.Você aprenderá a dividir o mesmo metro quadrado com pessoas que parecem odiar (e odeiam) você. Vai aprender a fazer o "social", e a baladas ganham outro sentido. Música de boate não diverte depois de um dia inteiro de problemas. Voz e violão, ou simplesmente seu travesseiro viram diversão.

Mas você tem apenas trinta e seis anos, sua natureza não é tão velha assim, então você recebe um daqueles telefonemas que te faz sentir viva e feliz, e volta a sentir o arrepio dos vinte anos, com o peso dos trinta e seis, e imaginando que os quarenta estão ainda distantes.

Mas isso será assunto interessante pra nós de trinta e seis, daqui a uns poucos anos.

Até lá.

Cris Souza Pereira
Enviado por Cris Souza Pereira em 13/08/2013
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