COMER,COMER ...Parte I

Não consigo mais comer carne vermelha. Não caio em tentação, não salivo mais quando penso em feijoada, picanha no alho e pastel de feira; foi-se o apetite, perdi a vontade. Esses dias até tentei devorar uma almôndega, mas foi como mascar chiclete sem sabor, tinha gosto de borracha e até pensei que era culpa da cozinheira, mas meu parceiro em crime, sentado ao meu lado no restaurante, repetia que jamais havia comido almôndegas tão deliciosas na vida.

Por favor, não fujam da leitura, pois essa não é uma crônica vegetariana, afinal se há algo que aprendi a não discutir em hipótese alguma é política, religião, futebol, Banda Calipso e gosto por comida, além disso, posso não ser mais uma amante de picadinho, mas não fujo de um espeto de frango e adoro uma boa pescada. Se insisto no assunto, é por puro desejo de compartilhar a experiência. Sim, tenho notado que desde que parei de comer carne vermelha, meu corpo anda mais leve, minha mente mais lúcida e límpida, contudo, precisei pagar o preço, minha vida social está em ruínas: não consigo explicar para minha mãe que não posso mais comer aquele “cozido de carne, batata e cenoura” que ela faz com tanta dedicação para mim; estou evitando churrascarias e já recusei quatro convites para churrascos dominicais com os amigos.

Outra mudança alimentar ocorreu para colaborar com esse novo eu que agora anda pelas ruas: não leio mais quando estou comendo, nem assisto TV ou faço qualquer outra coisa, que não seja apenas comer. Parece simples, mas não é. Não sei quanto a vocês, mas nunca dediquei o devido tempo e atenção ao ato de comer. Sem pre-engoli o alimento goela abaixo, sem ter tempo para saborear o tempero no arroz ou do caldo do feijão. Minhas refeições agora são pura meditação. Mastigo a alface e o tomate, como se estivesse vendo cada verdura, cada fruta sendo semeada, colhida e entregue a mesa; misturo o arroz com o sabor da batata e minha mente voa pelas plantações de arroz do mundo inteiro, grão por grão, semeadura por semeadura; vejo as batatas sendo arrancadas da terra, ensacadas, lavadas e enviadas para as nossas saladas ou fritas e purê. Saboreio o peixe com a mesma alegria com que o menino o pescou quando passou toda a tarde com o pai lhe ensinando os segredos da pescaria. Enfim, cada refeição tem sido uma viagem e por dar mais tempo a alimentação, já não consigo comer demais ou comer de menos. Ponho para dentro, somente aquilo que eu preciso. O corpo agradece, amente permanece sã. Só lamento, ter muito tarde, despertado para isso e não só pensando nisso, mas praticando essa meditação em cada refeição, percebo o quanto é maravilhoso comer bem e saudavelmente. Não há nada de errado com o lombo do porco ou com a alcatra, mas certos alimentos já não me fazem tão bem.Talvez seja a idade ou talvez tenha sido os efeitos da visita de Prático, um porquinho de estimação, que tive quando era moleque e reapareceu há duas semanas para me assombrar.

Continua...