Ruas, Avenidas e afins.

 

     Outro dia rememorava, despretensiosamente, sobre as ruas onde morei nestes meus 57 anos de vida. Não foram muitas, mas foram diversas, principalmente no que se refere às suas correlações com a história. Esse é o motivo, acrescido de minha curiosidade costumeira, que me instiga a conhecê-las. São esses personagens, mitos, contos, fábulas ou ainda lendas, que emprestaram suas narrativas às nossas localidades, distantes de nós em função do tempo, que circunstanciaram seus descendentes a nominarem ruas, avenidas e afins, suscitando as lembranças de seus feitos.


     Começo meu relato pela Av. Coração Eucarístico de Jesus, no bairro de mesmo nome, lugar emblemático e onde passei minha infância e juventude. Hoje reduzida à condição de uma simples rua, mas de passado nobre, caminho único e empedrado para quem almejava o clero, até meados da década de 60. Tornou-se a partir de então uma universidade com a chegada da PUC. Seu significado magnânimo lembra a seus transeuntes Cristãos, o corpo, o sangue, a alma e a divindade de Cristo, sob as aparências do pão e vinho, simbologia da eucaristia nas missas.

     
     Na maioridade, da avenida a nos lembrar de Jesus, me mudei. Meu novo endereço passou a ser a Rua Tenente Brito Melo, no Bairro Barro Preto. O Tenente Rui Brito Melo, oficial de dia no 12º RI, naquela longínqua sexta-feira, 03/10/1930, depois de tomar conhecimento que seus superiores haviam sido detidos pelas ruas de Belo Horizonte, por tropas estaduais, foi quem organizou as trincheiras e deu inicio à defesa de seu quartel. Esse episódio, dentre outros de menor ou maior monta, capitaneado pelo Governador Antônio Carlos do Estado de Minas Gerais, que hoje dá nome à Avenida que nos leva à região da Pampulha, o Governador Getúlio Vargas do Rio Grande do Sul e o Governador João Pessoa do Estado da Paraíba, quem foi assassinado no dia seguinte e hoje empresta o nome à capital do Estado, foram eles que depuseram o Presidente da República Washington Luiz, impediu a posse de Júlio Prestes, Governador do Estado de São Paulo e marcou o fim da República Velha e da politica do café-com-leite, entre Minas Gerais e São Paulo. O jovem Tenente, cujo nome foi dado à rua, bem em frente ao quartel que defendeu, morreu naquela tarde, por um tiro de fuzil.

     Nessas insólitas e, à época, insipientes mudanças, me vi morando por um período na Rua Camapuã no Bairro Barroca, nome indígena com certeza e de significado audaz, pois, em tupi-guarani, significa: seios erguidos, ou como dizem os “brothers”: “peitinho durinho”.
     
     Da Camapuã para a Dioguinho, a avenida que corta a praia do futuro na capital cearense, apesar do diminutivo, já alcançara, há tempos, a maioridade. Por toda a sua extensão, sentia-se no ar, o cheiro das caranguejadas e a comida vinda de seu quintal, o mar, servida nas diversas barracas à sua beira e ao longo de seus 8 km. O nome Dioguinho é proveniente da imobiliária, (Antônio Diogo), que iniciou o loteamento do bairro no inicio da década de 60.
     
     Logo em seguida fui morar na Middlesex Street, na cidade de Lowell. Toda vez que leio esse nome, lembro-me de um amigo goiano, daquelas bandas americanas. Não desgrudava de seu dicionário português-inglês e tudo que lia, procurava traduzir através do seu “pai dos burros”. Quando lhe disse o nome de minha rua, foi logo dizendo: “sex é fácil, significa sexo”, e folheando as paginas de seu surrado dicionário, encontrou a palavra “middle”, que me disse significar: “meio”. Seu olhar era hilário e a tradução que fez quase me custou a sua amizade: “poxa que nome mais estranho tem essa sua rua: meio do sexo”. O nome “middlesex” é originário das pessoas que fundaram o distrito inglês, de mesmo nome, nas cercanias de Londres. Esses fundadores eram chamados de “middle saxons”, com o passar dos anos, o nome recebeu o diminutivo que conhecemos hoje. Alguns de seus descendentes imigraram para os EUA, e com eles levaram o nome de sua terra natal.


     Um ano depois, estava em um novo endereço, mas na mesma cidade de Lowell. Pawtucket Boulevard, às margens do Rio Merrimack, este sim, um boulevard de verdade, sem nenhum traço que lembre o belorizontino “Boulevard Arrudas”, representante que é do eufemismo nacional, pois, trata-se de uma denominação política introduzida por um Shopping Center, para engodo dos incautos. O nome “pawtucket”, (lê-se “pataca”), é originário das tribos indígenas, também chamadas por, “merrimack” ou “pennacook”, e moraram, assim como morei, às margens desse rio, que corta o Estado de Massachusetts e a cidade de Lowell.


     De volta ao Brasil fui morar na Rua Ubá, em meio à floresta, ou melhor, do Bairro Floresta. Apesar de ser, o Floresta atual, formado por arranha-céus, mas foi dos primórdios desse e de outras Florestas, que retiravam troncos de arvores, e de um único tronco, construíam canoas. É esse o significado, em tupi-guarani, de ubá.


     Algum tempo depois fui morar no interior de Minas, na cidade de Papagaios, na Rua Adelina Vieira Campos e posteriormente, mas não coincidentemente na Rua Etelvina Vieira Campos. O nome Etelvina lembra-me aquela música antiga do Moreira da Silva: “Etelvina! Acertei no milhar! Ganhei quinhentos contos, não vou mais trabalhar...”. A história dessas duas senhoras são peculiares. A Dª Adelina foi casada com o Sr. Pedro Vieira Machado, nos idos de 1911, quem foi um dos precursores da cidade e uma de suas maiores autoridades, exerceu funções tais: Delegado, Juiz de Paz, Inspetor Escolar e o principal, o boticário de então. Dª Etelvina era a filha do casal e quem levou conhecimento, como professora, às crianças das escolas da cidade e de Maravilhas, a cidade vizinha.

     
     De volta à capital, outro nome instigante de rua passou a fazer parte de meu cotidiano, mudei-me para a Rua Tenente Garro, no Bairro Stª Efigênia. Foi interessante descobrir que alguns nomes das ruas do Bairro, onde moro, homenageiam militares que perderam a vida em uma mesma batalha, entre eles: Major Barbosa, Tenente Anastácio Moura, Tenente Vitorino, etc. A homenagem ao Tenente Joaquim Garro, da Força Pública do Estado, atual PMMG, que enfrentou nessa luta de morte, (revolução de 1930), seu colega e opositor, o Tenente Brito Melo, da Força Federal, conforme mencionei acima. O Tenente Garro foi o primeiro a morrer naquela peleja, foi atingido por uma rajada de tiros, ao ser descoberto, enquanto se arrastava, com a intenção de destruir um ninho de metralhadora, instalado no alto da colina, no 12º RI.

 

                Aqui abro um paragrafo e insiro nesta crônica, outra rua, a qual não morei mas é comum a muitos, a Rua Grão Pará, local de um clube de ascendência italiana, o qual sou frequentador. Na língua tupi-guarani, “pa-ra” significa “rio-mar”, como era chamado o Rio Amazonas em sua confluência com o Rio Tocantins pelos índios, em razão de ser amplo a ponto de não se conseguir enxergar a sua outra margem, causando a sensação de mar e não de um rio. Ao ocupar aquela região, os portugueses adicionaram ao nome “pa-ra” o adjetivo “grão” de significado “grande”, ficando o nome de “Grão-Pará”, “grande rio-mar”, posteriormente, foi retirado o “Grão” ficando somente Pará, que dá nome ao nosso grande estado do norte.

 

     São essas Ruas, Avenidas e afins, que fazem ou fizeram parte de minha própria história.

 

JLeal
Enviado por JLeal em 12/08/2013
Reeditado em 12/07/2022
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