Dona Beni e a magia das palavras
No Menino-Serelepe, anotei algumas pequenas passagens de minha meninice em face de livros, revistas e dicionários:
E certamente que meu vezo de catar palavras e expressões (veja-se o Vocabulário de Aguinhas) foi em grande parte motivado por essas lições de Dona Beni.
Dona Beni (ao fundo) e Marialva, sua filha, no balcão da Farmácia
Guima no caixa da Farmácia, nos anos 1960, onde descobriu o mágico mundo das palavras!
Enriqueça o seu Vocabulário era uma seção mantida por Aurélio Buarque de Holanda na revista Seleções do Reader's Digest, em que se devia apontar o significado correto de palavras e expressões. Para isso, ofereciam-se uma palavra/expressão e alguns significados, e o leitor deveria escolher a definição correta.
Depois, as colunas viraram livro.
No Menino-Serelepe, anotei algumas pequenas passagens de minha meninice em face de livros, revistas e dicionários:
[eu] tinha especial predileção pelas lições que versavam poesias: eu as fazia com calma, espiolhando os versos, as palavras, as rimas, alumbrado com as sonoridades (Bárbara bela/do Norte estrela), com os ritmos (Sou filho das selvas,/Nas selvas cresci), com as imagens (Minha terra tem palmeiras/onde canta o Sabiá) ...
.................
Então, a partir daí, eu passei a achar que minha salvação estava no possuir, de só meu, um dicionário, que era o modo de não errar mais nessa questão de falar bonito e correto. (Mas será se queijo prato consta do dicionário?)
.................
E houve uma outra, muito significativa para mim, que se deu quando eu era "aprendiz de farmaceiro" na Farmácia Santo Antônio - pequenos ensinamentos que recebi de Dona Benigna Borges Bacha - a Dona Beni -, uma das viúvas-proprietárias da farmácia:
[...] Dona Bení passou a me ensinar a operar a registradora, a escriturar os boletins fiscais, a contar a féria, a fechar o caixa, a caprichar na letra (que a dela era muito bonita e a minha, uma açangalha fora das pautas), a fazer palavras cruzadas (pra desenvolver a inteligência, dizia) e a responder aos desafios do Enriqueça o seu Vocabulário, que isso ia me ensinar palavras novas.
.................
Então, a partir daí, eu passei a achar que minha salvação estava no possuir, de só meu, um dicionário, que era o modo de não errar mais nessa questão de falar bonito e correto. (Mas será se queijo prato consta do dicionário?)
.................
E houve uma outra, muito significativa para mim, que se deu quando eu era "aprendiz de farmaceiro" na Farmácia Santo Antônio - pequenos ensinamentos que recebi de Dona Benigna Borges Bacha - a Dona Beni -, uma das viúvas-proprietárias da farmácia:
[...] Dona Bení passou a me ensinar a operar a registradora, a escriturar os boletins fiscais, a contar a féria, a fechar o caixa, a caprichar na letra (que a dela era muito bonita e a minha, uma açangalha fora das pautas), a fazer palavras cruzadas (pra desenvolver a inteligência, dizia) e a responder aos desafios do Enriqueça o seu Vocabulário, que isso ia me ensinar palavras novas.
E certamente que meu vezo de catar palavras e expressões (veja-se o Vocabulário de Aguinhas) foi em grande parte motivado por essas lições de Dona Beni.
Dona Beni (ao fundo) e Marialva, sua filha, no balcão da Farmácia
Guima no caixa da Farmácia, nos anos 1960, onde descobriu o mágico mundo das palavras!
Enriqueça o seu Vocabulário era uma seção mantida por Aurélio Buarque de Holanda na revista Seleções do Reader's Digest, em que se devia apontar o significado correto de palavras e expressões. Para isso, ofereciam-se uma palavra/expressão e alguns significados, e o leitor deveria escolher a definição correta.
Depois, as colunas viraram livro.
Ela gostava muito de meu pai — o Dé da Farmácia — e estendeu para mim — ainda menino e aprendendo/atrapalhando no dia a dia da farmácia — um pouco dessa estima. Lembro-me também que suas filhas filhas Marialva, Benigna e Nadeje tinham muito carinho pelo Dé e o chamavam de um apelido: Sá. Até hoje, essas três não me sabem dizer a origem desse apelido, que somente elas utilizavam. Acho que foi por influência da boa Ana, uma empregada doméstica trazida de Pedralva por Dona Beni.
Dona Beni lia também romances e revistas - aos montes. Gostava muito, naquela época, do Ronnie Von, que sempre aparecia nas capas das revistas. Apreciava festas e bailes, era excelente dançarina e dava shows de dança no Cassino das Fontes.
D. Beni oganizando bailes beneficientes no Cassino do Lago
Sputnik, anos 1960.
Dona Beni lia também romances e revistas - aos montes. Gostava muito, naquela época, do Ronnie Von, que sempre aparecia nas capas das revistas. Apreciava festas e bailes, era excelente dançarina e dava shows de dança no Cassino das Fontes.
D. Beni oganizando bailes beneficientes no Cassino do Lago
Sputnik, anos 1960.
Tantos anos se passaram desde os meus tempos de "aprendiz de farmaceiro", e há outros tantos ela partiu, mas ainda sobrevivem em mim sua voz rouca e forte, sua risada sonora, o cigarro entre os dedos, na mão cheia de anéis e unhas pintadas, o português correto de sua prosa, a letra talhada que aprendi a admirar. E sobretudo o seu jeito professoral de me ensinar pequenas lições que levei pela vida.
Um beijo saudoso, Dona Beni.
Vocabulário de Aguinhas
Espiolhar: Examinar minuciosamente, esmiuçar, investigar; pesquisar, perquirir.
Alumbrado: Deslumbrado
Féria: Apuração da venda do dia no estabelecimento comercial.
Açangalha: Letra ruim, mal traçada.
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.
Um beijo saudoso, Dona Beni.
Vocabulário de Aguinhas
Espiolhar: Examinar minuciosamente, esmiuçar, investigar; pesquisar, perquirir.
Alumbrado: Deslumbrado
Féria: Apuração da venda do dia no estabelecimento comercial.
Açangalha: Letra ruim, mal traçada.
(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.