ALEGRIA DE CRIANÇA
 
 
O carro de bois cantando ao longe, subindo a colina. A música, que embalava meu coração, anunciava o retorno de papai. Pés descalços, calejados pela aspereza do chão, a calça com remendos atravessados, na altura dos dois joelhos, assobiava uma melodia alegre, voltando para casa, onde eu o esperava. Os bois também vinham embalados pela música. Papai à frente, num incentivo à subida. Eia Barroso, eia Malhado!

Sabia que estava perto, mesmo antes de ouvir o cantar do carro e o assobio. Na verdade, sentia. Sempre foi assim. Sem saber como ou por que, tinha certeza de que era hora de ele chegar. Subia no pé de ipê, me escarranchava no galho mais alto, de ouvidos atentos, o olhar fixo na curva que o conduziria para meus braços.

Então, quando o enxergava, limitava-me a sorrir e a aguardar, ouvindo a música ainda distante.

Era assim que papai me encontrava. Dizia que eu era a mais linda flor daquele ipê. Eu olhava para as flores e me sentia linda. Papai abria os braços, convidando-me a descer. Eu me fazia de rogada, esperando que insistisse.

Depois de ouvir as palavras de incentivo e os elogios, ia esticando as pernas e passando de um galho para o outro, deslizando pelo tronco, até chegar aos braços macios, quentes e fortes de papai. Ali eu era um passarinho aninhado, que abria o bico para receber a seiva da vida. Era assim que me sentia. A alegria fazia parte daqueles momentos, só meus, até que os demais da família se juntassem à nossa intimidade. Naquele espaço de tempo, papai era inteirinho meu. 

Um dia, deixou o carro de boi em silêncio, apagou o assobio, cerrou os lábios e sobre o peito gelado cruzou os braços que me abrigavam com amor.

Papai mudou de invernada.    

Sei que ainda continua assobiando. Agora, para os anjos.

Mas sempre que me sinto triste, que a saudade faz um torniquete, ouço uma melodia distante. Talvez seja do vento ou das ondas da lagoa. Pode ser. Mas nada me tira a ideia de que papai é quem está, lá do céu, assobiando para mim. 


  
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 11/08/2013
Reeditado em 11/08/2013
Código do texto: T4429420
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