MEU ÚLTIMO SUSPIRO

A porta do quarto escancarada me deixava ver apenas o que acontecia na sala, pessoas da família em movimentos habituais, na faxina ou apenas conversando. Vez ou outra um visitante entrava, dialogava com o pessoal e em seguida entrava no meu quarto e me cumprimentava, perguntando se eu estava bem. Eu mal podia falar, tinha uma imensa dificuldade para isso e só balbuciava algumas palavras que pouco eram compreendidas. A doença me arrasava a cada dia e todos já estavam acostumados com essa cena, um velho moribundo em cima de uma cama onde fazia todas as suas necessidades, desde a alimentação até a higiene pessoal. Era impossível levantar-me para ver o que acontecia na rua ou em outro cômodo da imensa casa, pelo menos desde os últimos doze anos.

Durante algumas noites, acredito que durante o sono, eu me via perfeitamente bem, levantava da cama, caminhava pelos diversos cômodos da casa, apesar da escuridão, sentia uma tranquilidade incrível, não compatível com o meu estado deplorável e chegava até a janela para observar a rua deserta. Nada via além da escuridão, voltando em seguida para a cama como se uma força estranha me forçasse a isso. Nesse momento eu despertava, mas a impressão nítida era de que não era um sonho, eu realmente me levantara e caminhara pela casa. Talvez eu estivesse enganado, mas era essa a minha situação.

Quando o dia clareava eu via a sala deserta, as pessoas demoravam para acordar. Eu ficava esperando o asseio normal, a primeira refeição e desejava que tudo se acabasse de vez, que eu desse o meu último suspiro para poder me livrar dessa vida insuportável, quem sabe em espírito, como no sonho, poder caminhar pelos cômodos da casa e até ir até a rua e vê-la sem a escuridão.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 10/08/2013
Código do texto: T4427973
Classificação de conteúdo: seguro