Parabéns, Vovô!
Uma vez por mês o domingo era na casa da minha avó. No princípio, eu era o único o neto. Muitos outros foram nascendo com o passar dos anos, mas apenas eu vinha de longe. Era quem menos convivia, portanto, com aquele velhinho pacato e simpático que atendia pelo nome de Vovô. Nem por isso deixei de receber a sua influência. Embora não tenha notícia de que Vovô tenha escrito algum texto durante a vida, vejo muito nitidamente que sem a sua sensibilidade também eu nada escreveria. Essa sensibilidade se manifestava de muitas maneiras, nem todas naturais. De vez em quando, por exemplo, Vovô sentia o futuro.
Um dia Tio Bernardo foi visitar a família. Vovô olhou para ele e notou algo diferente. Foi o que bastou. Assim que a visita foi embora, avisou a todos: “Essa foi a última vez que vimos o Tio Bernardo”. E quando a Vó Rosa foi tomar chimarrão na casa da Vó Chica, elas que nunca se deram muito bem, Vovô já sabia: “A Vó Rosa não vai muito longe”. E, de fato, nunca mais vimos Tio Bernardo, e a Vó Rosa também não foi muito longe. Certamente há outras histórias, menos trágicas, mas também espantosas. Tia Nina, que sabia da fama de Vovô, tratou logo de exorcizar: “Deus me livre dele falar alguma coisa sobre mim!”.
Por duas ou três vezes, foi o próprio Vovô quem morreu. Ainda criança eu o visitei no hospital em que morreu pela primeira vez. Mas, como os médicos diziam, ele tinha um coração de leão. E, além disso, havia parado de fumar há muito tempo, depois de receber o ultimato de um médico. Alguns anos depois lembro que o levamos para uma consulta no Hospital de Clínicas de Curitiba, onde eu próprio trabalharia mais tarde. Eu já morava em Curitiba quando Vovô morreu pela penúltima vez. Temíamos o telefonema fatídico, que afinal não veio. Quando voltei a vê-lo Vovô explicou que realmente ia morrer, e inclusive já via o céu e para lá se encaminhava, maravilhado, quando ouviu uma voz falando que aquela ainda não era a hora.
De volta à vida, Vovô continuou o mesmo. Sentava na mesma cadeira da cozinha, ouvindo as conversas da casa, e de vez em quando intervinha com alguma frase espirituosa, meio mal-humorada, mas que nós sabíamos ser puro gracejo e ríamos muito. Não falava muito, e com frequência ficava sozinho assistindo futebol. Talvez não transparecesse, mas sei que sentia o sofrimento dos outros. Até mesmo com lágrimas. Especialmente quando deve ter se dado conta de que não nos veria mais. E dessa vez nenhuma voz fez com que ele voltasse.
A última vez que vi Vovô era Dias dos Pais. Ele faleceria três semanas depois. Era de manhã e nós viemos de longe sem avisar. Conversávamos na cozinha quando Vovô apareceu no corredor. Acabara de se levantar. Olhou para nós com surpresa, sorriu e disse que havia mesmo ouvido umas vozes diferentes, mas não imaginou que fosse a gente. Estava muito bem disposto. Dirigi-me até ele para cumprimentá-lo e dar os parabéns pelo Dia dos Pais. Vovô agradeceu, mas me surpreendeu dando parabéns para mim também. Minha avó alertou que eu não era pai ainda.
- E daí? Merece os parabéns do mesmo jeito.
E então Vovô caminhou até uma sobrinha, já idosa, que também estava como visita.
- Parabéns, Teresinha... Parabéns!