Com Pelo na Cara
Numa vida média de 50 anos, 80 a 100 dias são empregados pelos homens só no ato de fazer a barba.
Ignora-se o que as mulheres fazem com esse tempo.
Millôr Fernandes
Ignora-se o que as mulheres fazem com esse tempo.
Millôr Fernandes
Lá vai ela, linda, depilada, perfumada, lingerie novo. A noite perfeita termina no apartamento dele e, na manhã seguinte, ela é acordada com café na cama e um beijo doce, dado por ninguém menos do que o romântico homem-ouriço. Parece pegadinha! Na véspera, ele estava perfeitamente escanhoado, a pele de bebê. E agora, isso. Colaram um porco espinho na bochecha do sujeito enquanto ela dormia.
Ele percebe a reação dela e, intimidado, recolhe-se a um canto da cama. É quando ela comete seu maior erro: compadecida, diz que a-do-ra homem com a barba por fazer. Pronto. A partir daí, estará fadada a ser lixada por inteiro cada vez que fizerem amor.
Tudo bem. Sendo justas, não é tão simples assim livrar-se desses filamentos residuais de nosso processo evolutivo. Se nós sofremos com as depilações, eles também penam com o uso frequente da navalha.
E é até covardia comparar. Eles só têm mesmo o barbeador, elétrico ou não. Nada de cremes depilatórios ou cera quente. Embora esta seja de doer, pode garantir umas três semanas de pele lisinha. Agora, imagina aquela dorzinha gostosa na cara do sujeito. Maridão andava com a pele irritada. Achou de viver à pinça. Fracasso total! Além do tempo necessário para livrar-se daquela selva, fio a fio, ainda era difícil enxergar os pelos, com os olhos rasos d'água. Sexo forte aguenta sofrimento, nada!
Daí, eles resolvem deixar a bendita crescer. A gente tenta convencê-los a fazer as pazes com a gilete, diz que barba engorda, envelhece, pinica, coça... Perda de tempo. É só ter paciência. Os amigos pegando no pé, uma hora ele volta ao normal.
Fetiche ou não, homem com a barba por fazer tem algo de charmoso, viril e toda mulher tem uma história com um sujeito mal barbeado pra contar. A minha é antiga. Sentava-me ao lado dele e ia me aconchegando em seu colo. Esfregava então, como um gatinho, os cabelos no seu rosto, até pentear todos os fios muito lisos. E meu pai ria da minha brincadeira infantil, aturava sua pimpolhinha de três anos fazendo-o de escova.
Neste domingo, desejo que todos os pais possam deixar lembranças e saudades como as que o meu pai nos deixou.
Texto publicado na edição de 09/08/2013 do jornal Alô Brasília e reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 08/05/2009.
Imagem daqui.