Sem Resquícios
Acabara de me mudar de cidade, nossa casa era maravilhosa – minha e dos meus pais -, e tinha uma vista esplendorosa, onde já imaginava as tardes me pegando em pensamentos profundos e em escritas intimas que me fariam teletransportar-me para o mais profundo ato de ser um escritor. Viver o surreal, sentir, mergulhar fundo e deixar com que àquela paisagem tomasse conta do destino que estava eu, a ir.
Essa vista, que havia em meu quintal, era totalmente incrível, os penhascos que apareciam no plano de fundo, com suas cursas em declive, as árvores com seu verde totalmente natural me deixavam completamente à vontade, com a imaginação fervendo para o primeiro contato. Chegara eu, a tão esperada rehab. Eu necessitava de um momento como este, minha alma almejara tal contato. Por vezes me sentia vazia, sem o tão preenchimento que aguardara diariamente.
Sim, eu cresci com uma imagem fictícia do mundo, meus pais me fizeram achar que tudo era exatamente como o que vejo agora, tudo belo, verde, e suave. E fui crescendo e fazendo esse pensamento paterno cada vez mais real em minha vida, até que fui começando a ter contato direto com a vida, propriamente dita, e percebendo nitidamente que não era nada aquilo que eles tinham me falado, não sei se isso foi cuidado, proteção que todos os pais tem, mas isso me fez bastante mal futuramente. Até que me fez, transformar-se em um baú, guardando tudo que sentia sem sequer me manifestar-se ao ato. Por isso, perceba o quanto esses detalhes dessa imagem que vos descrevo me faz tão minuciosa e intensa.
Havia algo que me faltava, eu sentia esse vácuo em algum lugar em mim, era como se minha mente não quisesse admitir o fato de ter sido enganada sobre a realidade do dia a dia. Metade de mim era ilusão e a outra metade lutava contra isso, então qualquer contato que tivesse eu com algo que não fosse pessoal, seria muito bem-vindo em minha nova experiência.
Depois de ter admirado por alguns minutos toda essa paisagem, me voltei para a casa e fui pegar então minha caderneta e uma de minhas canetas preferidas, eu não via a hora de entrar nesse ambiente, que nitidamente achara eu que me curaria e faria meus olhos verem o mundo como ele deveria ser visto sobre mim e qualquer ser humano que se sente enganado como eu me senti. Deslumbrada com tanta beleza ao meu redor, fui a fundo em meu consciente, procurar algo que tivesse compatibilidade com aquela imagem. Meu resultado então não foram dos melhores, minh'alma não estava pronta para isso, algo estava recente, que não me deixara quieta para entrar em comunhão com meu corpo-mente. A nostalgia me entrelaçava - mas como pode, meus olhos estão fixados nessa beleza que está à minha frente?! -, eu tinha que ter atitude para ir em frente e enfrentar essa dor que por tanto tempo a guardei. Eu tinha de escrever, eu tinha de colocar no papel e esbarrar, tirar na marra essa angustia que jamais fez sentido.
Algumas lágrimas começaram a escorrer, mas meu eu dizia que isso era necessário - Nós só nos curamos verdadeiramente quando colocamos para fora o que tanto nos assola - . Me surpreendi quando terminei de escrever, e com a quantidade de linhas que me peguei a escrever. Pois, a surpresa foi o alívio que senti no peito, a paisagem havia se tornado três vezes mais estrondante, tudo estava mais belo e bem mais acalentado. Incrível, desapegar das futilidades, das subtrações e se abrir novamente ao um novo horizonte, e está totalmente fixado nisso.
Levantei-me. Peguei aquela folha, dobrei em vários pedaços, fui até a cozinha, peguei o esqueiro que estava sobre a mesa e retornei ao quintal. Com todo cuidado, queimei lentamente aquela folha, e com ela e suas cinzas se foram todo o meu passado, aquela ilusão que criei e fui forçada a acreditar, toda a tristeza que eu carregava, me sentindo renovada e completamente ciente do que queria a partir dali.
E acredite, leitor, escrever muda, renova e faz você ver o mundo de ene formas, das melhores possíveis. Uma terapia pessoal com resultado imediato.