FEIJÃO TROPEIRO...

Tem horas que a gente tem que jogar fora o que não mais nos serve, e quanta bugiganga a gente ajunta a vida toda... Coisa das coisas! Sua história!
Hoje, a mulher me levou ao quarto de guardados... Quantas coisas, cheias de pó do tempo e de lembranças...
Álbuns de fotos amarelas! Objetos com ar de saudades...
Num canto enfim uma bicicletinha velha...
Mas que desperta tanto carinho em mim ao revê-la, eu olho hoje e vejo uma coisa pequena, carcomida, hoje...
Mas outrora...
Era quase metade do dia e eu estava inquieto...
Olhava o movimento na calçada, esperando que acontecesse alguma coisa extraordinária, afinal disseram que eu teria uma surpresa...
E até agora nada...
Olhando-me com seus olhos azuis, a avó Ana não falava...
Sai para a varanda, uma vez mais!
Entrei de novo em casa...
E minha avó em silencio só me olhava... Em meio aos afazeres da cozinha...
Mas, o que era mesmo tudo aquilo, que a deixava tão atarefada?
Fui até ela... Que percebendo a minha chegada foi pedindo logo:
-Meu filho coloca o pote de feijão ali no armário, e me ajuda a escolher estes daqui, que hoje eu estou meio atrapalhada!
Minha avó é engraçada... Para quê afinal tudo aquilo? Logo de manhã foi cheia de sacolas na feira, voltando cheia de dor nas costas, por causa do peso...
Não teria sido melhor, pedir uma pizza no Delivery ali da italiana?
Ou uns pastéis do chinês da outra esquina...
Ir quem sabe num Mac, ou no galeto ali da estrada? Só não ia querer comida japonesa...
-Vó, o que a senhora está fazendo tanto?
-Estou fazendo feijão tropeiro...
-Feijão tropeiro?
-É uma comida forte... Do tempo dos Bandeirantes e em que todas as coisas vinham no lombo das mulas...
-A gente vai comer só feijão? Perguntei em nada preocupado com os tais bandeirantes...
-Não menino! Vai ter mais coisa sim...
-Então para quê este tal de feijão tropeiro?
-Depois você vai saber...
Meu Deus quanto mistério...
Já ia saindo de mansinho quando minha avó me chamou de novo...
-Não quer saber da história dos bandeirantes?
Ah! Vô... Agora não!
Ela abaixou os olhos, catando feijão após feijão... Eu sabia que ela gostava de contar histórias, e estava tão sozinha ali na cozinha, catando feijão...
Súbito uns grãos escaparam de suas mãos... Foram parar em frente á janela...
Fui lá catar os fugitivos... Mas a minha atenção foi deslocada para uma fileira de formigas que carregando pedaços de folhas faziam a sua procissão... Chamei minha avó para ver...
-Menino, olha que engraçado, era assim antigamente... Na época dos bandeirantes, tudo era levado nas costas e nos lombos de mulas...
-E vó? Como assim... Enfim, fui fisgado pela curiosidade!
-Sabe meu filho, lá no começo de nossa cidade, havia os bandeirantes que faziam o desbravamento do interior... E as provisões eram levadas assim, nas costas dos muares...
Eles vinham do litoral e desbravaram caminhos e estradas que passavam entre outros lugares por aqui, São Paulo, em direção do interior do Brasil, chegando a Minas Gerais, e Goiás por exemplo.
-E o que tem o feijão com isso?
-Naquele tempo, a comida se estragava facilmente... E para que isso não acontecesse, eles eram inventivos...
Alguém achou de fazer misturas e juntaram o feijão e a carne... E acompanharam com lingüiça... E ficava tudo mais fácil... E não estragavam...
É isso que é feijão tropeiro, a comida dos homens das comitivas de bandeirantes...
-É mesmo vó! E a gente com isso?
-Menino, a gente é descendente de mineiros você sabia?
E a minha gente adorava esta comida!
Meio descontente ia saindo de fininho novamente... Hoje era o dia de meu aniversario e só tinha ouvido falar destas estranhas gentes, os bandeirantes... A tropa de muares que as formigas imitavam tão bem... E aquela história de descendentes... E do meu aniversário ninguém falava nada!
Feijão tropeiro... Feijão tropeiro... Resmungando sai para a rua novamente...
Lembrei... Tio Augusto tinha me prometido uma bicicleta este ano... Cadê ele?
Entrei na cozinha novamente, e meio acanhado já fui perguntando: Vó, cadê tio Augusto?
-Não sei menino, ela me respondeu entre dentes!
Sai novamente!
Chutei uma pedra, tão descontroladamente, que machuquei o dedo do pé! Assim não dá para andar de bicicleta...
Meu Deus, quanto tempo vou ter que esperar pelo meu presente?
E a tarde já ia vindo lentamente... Estava tão quente que o ar parecia tremer diante do meu olhar...
Entrei novamente na cozinha... As panelas exalando aromas fumegantes... Vó, quanto tempo demorava para os bandeirantes ir de um lugar ao outro em suas caminhadas...
-Dias menino, meses, anos até! Tudo era feito muito lentamente!
É isso! Tio Augusto é meio lento... E o meu presente virá um dia desses carregado por uma tropa de bandeirantes...
Era já 12h30min e nada!
13h30min e nada novamente...
14h00min e a campainha toca desembestada! Mas que, tio Augusto tem chave... Nem precisa de que lhe venham abrir as portas...
Olhei para a minha avó e ela estava preocupada e falei:
-Vó, o que aconteceu, o feijão queimou e o tropeiro se perdeu da tropa? - Pensando em pisar nas formigas...
-Não seja mal criado menino... Estou cansada... E Augusto não chega com a carga...
-Que carga vó?
-Nada menino, nada!
Súbito em bicas tio Augusto desponta na porta...
-Ana, Ana, me de um pouco d'água!
Esta dor nas costas também dia desses ainda me mata!
Corri para o tio... Deitei olhos sobre o pacote que trouxe nas costas...
Vó Ana, já foi falando logo... Abra menino, é seu mesmo!
E tio Augusto, vai abra, vamos ver se valeu a pena tanto esforço! Sobe ônibus, desce ônibus, sobe ladeira, desce ladeira... Ana morar aqui não é coisa para velho...
Abri!
Era a bicicleta tão sonhada...
Corri abracei um, beijei outro, sai para a rua...
É eu nada sei de bandeirantes, de tropas, de feijões tropeiros... Mas vi que a carga que tio Augusto trouxe nas costas era pesada...
Nem pensei mais no quanto demorou...
A minha carga chegou!
E a alegria estava estampada na minha cara!
Depois foi o almoço... Tio Augusto se refestelava com o tal feijão tropeiro... Eu apressado só queria a rua, com minha bicicletinha nova...
Ouvi enquanto saia correndo porta afora, quando minha avó resmungou com tio Augusto...
- Ah! Essas crianças, não sabem do trabalho que dão as coisas...
Penso que desta vez minha avó se enganava! Eu me lembro bem, a partir daquele dia nunca mais pisei sobre a caravana das formigas e ninguém vida afora...

Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
08/08/2013