Passarinhos
Hoje vi passarinhos, livres e cantando um hino de liberdade e felicidade. Eles sim são verdadeiramente livres, pois têm - como diria minha amiga poeta - a audácia de evacuar sobre os corpos humanos, os ditos desenvolvidos e civilizados. Gostaria de defecar sobre as cobranças deste mundo capitalista. Talvez assim perceba-se quão sujo é o dinheiro, o superficialismo, a ostentação; e perceba-se, lá em cima, o quão puro é o ar e a natureza.
"Aprendeu com a natureza o perfume de Deus", disse o poeta Manoel de Barros. Talvez por isso perdemos Deus de vista e Nietzsche anunciou a Sua morte. Os Estados Unidos provocam a morte do planeta; a humanidade, a própria ruína. O mesmo homem que matou Deus mata também a si mesmo, com o doce amargo da satisfação. Porque a vida é satisfazer.
Vive-se triste; mata-se sonhos; fecha-se o coração ao convívio. A vida é observar o relógio, checar a caixa de e-mail, pegar trânsito, conferir a bolsa de valores. Uma vida tranquila, sem as exigências capitalistas - consumismo, materialismo, e tantos ismos, que caracterizam doença - é o que eu desejo. Quero a segurança de duas cadeiras na varanda para sentar e partilhar as dores e as alegrias de viver. Quero o céu e o horizonte à minha frente a lembrar-me de sonhar. Quero um raio de sol cruzando as janelas a lembrar-me de ser um pouco mais aberto e arejado. Cansei-me da ordem ocidental de levantar-se e gastar a vida tentando ganhá-la.
Talvez o rapaz que anda a minha frente não reflita sobre isso. Não sei. Somos afinal culpados e vítimas de nossas transgressões. Mas parece que estamos sozinhos, sem amparo, sem ter a quem recorrer, porque mataram Deus.