OS CIGANOS E O COICE DE MULA
OS CIGANOS E O COICE DE MULA
Ontem conheci um cigano. Quase que ele levava meus últimos reais, aqueles para a compra do remédio para pressão. Ele começou elogiando minha barba (esquisito não?); quis saber da minha saúde (pois estávamos na porta de uma farmácia); sorriu, mostrando todos os dentes de ouro (falso?). Saí do transe hipnótico daquela voz melodiosa e fui ríspido com ele. Quando percebeu que não me enganava ele se virou contra mim; e, tudo que eu falava ele dava coice.
Toda mula embirra e dá coices... no ar, no peão, na cocheira, no varal da carroça; mas bem que poderia ser no dono! O patrão é exigente, não a deixa comer forragem; nem aceita ela trocar piscadelas com os burros.
É um animal híbrido, não é digna da fertilidade de produzir, mas é boa operária e é exibida pela sua beleza. Também transporta os donos e várias cargas. É um indispensável instrumento de trabalho, quando ela escoiceia é por uma exigência da raça; é um aviso ou apelo à consciência do cigano.
Os dicionários apoiam a premissa de que cigano é trapaceiro, têm vida rotulada de enganosa e perigosa; as notas sobre eles encontram-se geralmente nas páginas policiais. Se há um crime e um cigano está perto, prenda-o (seu epíteto?). São taxados de incrédulos e irremediavelmente cépticos; ditos adivinhos, palmistas e cartomantes inveterados; vistos como levando vantagens em tudo, quase sempre. Frequentemente são chamados de gringos, confundidos com estrangeiros.
Seguem pelos caminhos da vida, sorrindo apesar das lamúrias; tudo a propósito de um imbuído otimismo em viver.
Vem deles a calhar algumas anedotas por cortesia; é quando aliviam o peso das queixas no acossado; e angariam valores morais para as mulas.