Polimaínha
Geraldo tinha três mães.
O que para muitos era impensável, insensato e inconcebível, para ele era a incrível realidade. Sua sede por amor materno o fazia manter o afeto de três progenitoras, sem que uma soubesse da existência da outra.
Seus amigos o aconselhavam a deixar essa vida. “Uma ainda vai sair machucada dessa história, Gera”. Mas ele dizia que amava todas, igualmente. E precisava de tempo para escolher qual amava mais. Para alguns, um cafajeste. Para ele, simplesmente a condição de um homem que amava demais.
Nos almoços de domingo era notável seu esforço hercúleo para manter um apetite convincente. Sempre variava entre desculpas diferentes a cada ocasião. Um rodízio de apologias entre precisar almoçar cedo, tarde e ter uma – tadinho! - desagradável indisposição estomacal.
Mas ter 3 mães tinha suas vantagens. Além de mimos e presentinhos triplos, Geraldo nunca teve problemas de natureza sogra-nora. Afinal, bastava apresentar a namorada certa para a mãe com mais chances de gostar daquele perfil.
Até que um dia, como toda mentira de pernas curtas e feitas de isopor, a casa a que o bom filho torna caiu. E desmoronou no momento que as casas sempre caem: durante um almoço.
- Filho, você tem que parar de deixar suas meias na sala.
- Me desculpe, mãezinha. Cheguei tão cansado que me joguei no sofá.
- Tudo bem, querido. Mas me diga uma coisa.
Dona Neide mudou seu tom. Um tom preocupantemente curioso, nunca antes ouvido por Geraldo.
- Essas meias... Quem te deu? – Dona Neide cruza os talheres e respira fundo.
- Ah, mãe... Eu que comprei, ué.
E continua.
- Você, comprando meias? Nenhum homem compra meias. Comprar meias e cuecas para o filho adulto é um dos direitos inegáveis da mãe. E gostamos dele. E eu sinceramente não lembro de ter comprado esse par, Geraldo.
- Mãe, eu comprei na saída do metrô. De um ambulante boliviano. Comprei aquele gorro junto, lembra?
Dona Neide fechou o rosto de vez. E olhou sério para o filho.
- Geraldo. Me fala a verdade. Você tem outra mãe, não é?
- Quê isso, mãe? Tá louca?
- Tem sim. Eu sei que tem. Saídas repentinas no domingo a tarde, meses sem trazer um saco de roupa suja, uma camisa que seja para eu passar... E o pior. Você elogiou o molho da minha lasanha hoje. Estava uma delícia, não é? Pois eu tenho uma notícia para você: ela é da Sadia.
- Ah! Bem que eu reparei. O tempero tinha um toque de...
- Pára! Pára de inventar, Geraldo. Eu já descobri tudo.
- Descobriu o quê, mãe? Que eu não reparei que seu talento na cozinha não se estende para uma lasanha? Que eu mesmo comprei uma meia nova?
- Não mude de assunto, menino. Eu nunca faço e nunca fiz lasanha. Dá trabalho e sou conhecida no bairro inteiro pelo meu escondidinho. Agora me fala! Confesse tudo e me diga: quem é a “mamma” que está te fazendo lasanha, Geraldo?
- Ninguém mãe! Você está delirando. Eu nunca teria outra mãe. Estou bem de mãe com você.
Dona Neide absorveu as desculpas de Gera por uns segundos. Levantou da cadeira e deu a volta na mesa, em sua direção. Em uma puxada rápida, segurou o filho poli-maternal pelos ombros e aspirou profundamente sua camiseta, com raiva. Geraldo ficou sem reação, pálido. Neide processou a informação recém farejada enquanto olhava firme para seu filho infiel. E arrematou:
- Ahá, sabia! Downy, a muquirana ainda usa Downy!