O sexo como bom atrativo
Acredite, meu amigo leitor, minha amiga leitora, depois que resolvi enveredar para os contos minha vida ficou mais alegre. Há momentos, quando estou no meio de uma narração, que começo a rir sozinho. Devo dizer que alguns contos são autobiográficos e me delicio em focalizar o lado mais cômico da história. Claro, todos nós temos nossos traumas, nossas neuroses, assuntos trágicos, mas me decidi a não passar para meus amigos esse lado ruim da vida.
Imaginem que outro dia reli um conto do nosso Moacyr Scliar( que vou embutir na minha crônica) e que me fez lembrar imediatamente da minha adolescência, bastante tumultuada, quando em mim explodiu a sexualidade. E no meu tempo o tabu do sexo era enorme. Os pais evitavam conversar sobre sexo com os filhos. Acabávamos aprendendo com os rapazes mais velhos. E a propósito disso, lembrei-me de um colega do curso clássico (o clássico correspondia ao científico) que tinha um irmão muito mais velho e, que, na minha ótica de hoje, o vejo como uma vocação para sexólogo.
Estava eu empenhado em juntar cinco mil reais (acho que já contei esse pedaço em outra crônica) para ser recebido por uma famosa vedete do teatro João Caetano. Bem, me contaram e eu acreditei que essa vedete (de pernas e coxas belas e firmes, que continuaram assim até à velhice) recebia mesmo alguns convidados. O que me atraia era o detalhe. A bela vedete, quer dizer, mais gostosona do que bela, recebia o convidado oferecendo um chá com cream crackers. E de tarde! A chamada hora azul. Achava notável isso! Nunca confirmei a veracidade dessa estória, mas a imaginação dos cariocas é surpreendente.
Evidente, jamais consegui chegar aos cem reais, quanto mais aos cinco mil. Foi quando recebi a ajuda do colega que tinha um irmão bem mais velho. Disse-me ele que uma vez por mês o irmão passava um filme erótico e que os adolescentes convidados tinham direito a um pequeno balde ao lado de sua cadeira, onde podiam ejacular à vontade. Devo dizer que não fui a nenhuma sessão porque os filmes tinham para mim uma certa baixaria; Por isso não fui. No entanto, parece até que o filme era o mesmo do nosso contista Moacyr. Vamos ao delicioso conto, que não resisto em passar para os amigos, em rápida síntese, não sem antes render minhas homenagens ao espírito compreensivo do irmão mais velho do meu colega, procurando entender como normal a entrada do sexo na vida dos adolescentes. E, sem dúvida, o detalhe do balde me encantou! O grande psicólogo, morto recentemente, Albert Ellis, na década de 60, convidado para dar uma aula sobre sexo, na faculdade de Princeton, propôs o tema “Masturbe-se agora”, a fim de tirar o medo que as pessoas ainda têm da sexualidade. Ele teria aplaudido o irmão do meu amigo.(a bem da verdade, o Diretor da Faculdade, assustado, cancelou a aula). Eram tempos de santa ignorância...
Voltemos ao conto. Era filho único. Morando na Europa, resolve voltar para a cidade onde nasceu, em Porto Alegre, e também com a intenção de dirigir o pequeno armarinho de seus velhos pais. O armarinho era o único da cidade e rendia um bom dinheiro por mês. Graças à loja é que o filho único se formara. No entanto, na volta, o filho logo notou que a freguesia era escassa e que bem em frente à sua loja surgiu um outro armarinho, da Dona Dalila, uma senhora de cabelos pintados e com boca de coração. E a loja da Dalila (aviso aos amigos: essa Dalila não é a Dalila da minha juventude, estória contada em antiga crônica) agora vivia cheia. Isso revoltou o nosso filho único, que, imediatamente, pensou: - “Vou averiguar isso, essa Dalila não sabe com quem está lidando”. Resolve fazer uma investigação na loja da senhora. Usa um disfarce: peruca, óculos escuros e um bigodão louro. Logo descobre que os rapazes que compravam na loja recebiam um bilhete para assistirem um filme pornográfico (olha o filme aí que falei lá em cima). O filme era passado na sexta-feira à noite, nos fundos da loja. Era um quintal com árvores frutíferas. O nosso personagem, devidamente disfarçado, compra alguma coisa na loja e recebe também o bilhete para o filme.
Na sexta-feira, às nove da noite, entra numa sala mal iluminada, onde outros fregueses já estavam sentados. Entra a Dalila, nervosa, e ajeita uma tela e anuncia que a sessão vai começar. O título do filme: “As aventuras de Dalila”. O filme era muito pornográfico, realmente. Mulher com dois homens, mulher com mulher, mulher com cachorro. A mulher era sempre a mesma, bem bonita a diaba. Alguns aplaudem, outros gemem. Finalmente, o filme termina. A Dalila despede a turma e diz: - “Agora, só na sexta que vem. Favor não esquecer a nota de compras”. O nosso personagem espera todo mundo sair e tirando a peruca, os óculos escuros e o bigode se apresenta para a Dalila xingando-a de tudo quanto é nome, de safada pra baixo. E pede o rolo do filme para queimá-lo, uma vez que ela estava fazendo concorrência desleal. – Espera – diz a Dalila. – me faz ao menos um favor, me deixa assistir o filme pela última vez. – Para quê? – deixa eu passar o filme, depois eu te explico. Como o personagem não tinha visto o filme direito, aceita que a Dalila passe o filme de novo.. Ficam os dois juntos assistindo. Os olhos pintados, a boca em coração.
- Sabe quem é essa aí? – sou eu mesma. – mentira tua. – verdade. Eu mesma na Europa. Fui muito famosa... a bela Dalila.
O personagem reconhece o mesmo rosto, os mesmos traços. Não tinha mais dúvidas, era ela.
- Sou eu sim – sussurra e ri.
Caem os dois no chão...
Sábado de manhã, o personagem já está de volta para a Europa. Convenceu os velhos a vender a loja para Dalila. Acertou uma mesada para os pais e resolveu não voltar tão cedo à sua cidade natal.
Nota: Como meus amigos já sabem, continuo a minha pesquisa de bons autores e que foram bons contistas. Comecei com o maior deles: Machado de Assis. Depois, li muito Pirandello e Ítalo Calvino. E agora me detive no fabuloso gaúcho Moacyr Scliar. Em um dos seus livros ele se apropria do clássico “Missa do Galo” de Machado de Assis e elabora um diálogo sob a perspectiva da personagem feminina Conceição. E com sua genialidade dá um show.
Gdantas