Calma Dr.
- Você vai descumprir a ordem do Juiz?
Essa foi a pergunta em alto tom (quase um grito) que fez todos pararem, clientes e colegas de trabalho, e ficarem como se aguardassem um desfecho favorável ao seu emitente, um advogado de um cliente com uma enorme dívida em aberto e alguns reais bloqueados por ordem da própria justiça. Na época eu era gerente da carteira à qual estava vinculada a conta-corrente do cliente em questão.
Nas mãos o advogado trouxe uma ordem para desbloqueio e retirada imediata da importância sob júdice. No entanto o juiz que despachara tal ordem pertencia a outra vara, totalmente diversa daquela que pedira o bloqueio, e de uma outra comarca (de uma cidade do interior), sem nenhuma competência para tal ato. Tentei explicar ao advogado que conforme nossas instruções e a legislação atual tal medida deveria ser procedida por meio de precatória, para que um juízo da nossa comarca, portanto competente, complementasse o intento. O jovem bacharel sequer ouvia minhas explicações. Apenas repetia a pegunta e dizia que só sairia da agência portando o dinheiro em questão. Tive que pedir ajuda a nossa assessoria jurídica, que por telefone, deve ter exposto melhor aquilo que eu tentara e assim acalmar o rapaz.
- Mas então vocês vão ter que responder por escrito isso que estão alegando.
Garanti-lhe que aquela era a forma correta e de praxe, responder aos documentos de qualquer espécie, notadamente, as demandas judiciais, através de ofício, etc, etc..
Quando tudo parecia se arranjar e ninguém mais nos observava, eis que o desinformado "Doutor" pediu que apressássemos a resposta pois teria que voltar ainda naquele dia a sua cidade de origem. Ai, foi mais meia hora para explicar-lhe que um pedido de um juízo se responde diretamente ao juiz titular. "Mas eu tenho que levar uma resposta a meu cliente", argumentou.
- Doutor! - explanei - As nossas correspondências, mesmos as direcionadas a justiça são entregues diretamente ao juízo ou quando em outra praça, são expedidas através dos correios que detêm o monopólio postal no Brasil.
- Mas quero ver o conteúdo da resposta!
- Doutor, isso é confidencial. Ademais o senhor pode ver quando estiver anexado ao processo...
- Isso não vai ficar assim. Eu voltarei!
Meses depois, muito tempo após a nossa bem elaborada resposta ao Juiz, surge novamente o advogado. Agora, sim, com documentos que realmente lhe permitiam a retirada do total da quantia de seu cliente. Nesse dia eu já não era mais o gerente daquela carteira mas não pude conter o riso quando vi a cara de surpresa do "Doutor", saindo da agencia com cerca de quarenta reais... Comentei com meus amigos, "Se ele cobrou 20%, vai levar uns 8 reais de honorários.
Querem saber a dívida do cliente? Mais que duas mil vezes o valor levantado...