PELO SORRISO
Era lá pelos anos oitenta e quatro, oitenta e cinco, talvez. Havia crise de combustíveis. Os órgãos públicos sofriam com isto. As Delegacias de Polícia mais ainda.
O dia amanhecera branco. A geada formava um tapete, e as árvores apresentavam estranhos desenhos. O conjunto era uma beleza. Quando o sol adquiriu forças, os raios incidiram sobre a brancura, tornando ainda mais linda a paisagem. Somente então, os pássaros se animaram e as revoadas pareciam riscos coloridos numa alva pintura.
Quando cheguei ao Foro, não havia a costumeira fila. O frio assustara. Olhei a pauta. Somente duas audiências. Teria tempo para dar uma aliviada nas pilhas de processos.
Por volta das 15 horas, chegou uma viatura da Polícia, trazendo-me um casal. Eram pessoas humildes, mal vestidas, mãos calejadas. Sentaram-se. Olhos baixos, silêncio. Perguntei em que podia ajudá-los. A mulher permaneceu na mesma postura.
Ainda sem me olhar, o homem foi contando. Estavam casados há vinte e oito anos, cinco filhos, três netos. Contratou um jovem para ajudá-lo no trabalho da lavoura. Não é que a sem-vergonha fugiu com o sujeito? Deixou os filhos. Me abandonou. Logo agora, doutora, que não ando bem.
Fez um gesto que me deu a entender que se encontrava impotente. Continuou.
– Foi morar no município vizinho. Paguei a gasolina, e a Polícia foi buscar a fujona. Olha aqui, doutora.
Olhei. Mostrava os dentes. Os poucos que restavam.
– Deixei de fazer pra mim. Ela insistiu, e eu dei uma dentadura novinha pra ela. E agora, como fica?
A mulher ainda sem se mexer, sem levantar a cabeça, sem me olhar, sem contestar, deu uma puxada no vestido numa tentativa inútil de cobrir os joelhos roxos.
Já estava na hora de perguntar o que o homem queria. Perguntei.
– A dentadura, doutora. Não posso deixar ela rir pro outro com os dentes que paguei.
Era lá pelos anos oitenta e quatro, oitenta e cinco, talvez. Havia crise de combustíveis. Os órgãos públicos sofriam com isto. As Delegacias de Polícia mais ainda.
O dia amanhecera branco. A geada formava um tapete, e as árvores apresentavam estranhos desenhos. O conjunto era uma beleza. Quando o sol adquiriu forças, os raios incidiram sobre a brancura, tornando ainda mais linda a paisagem. Somente então, os pássaros se animaram e as revoadas pareciam riscos coloridos numa alva pintura.
Quando cheguei ao Foro, não havia a costumeira fila. O frio assustara. Olhei a pauta. Somente duas audiências. Teria tempo para dar uma aliviada nas pilhas de processos.
Por volta das 15 horas, chegou uma viatura da Polícia, trazendo-me um casal. Eram pessoas humildes, mal vestidas, mãos calejadas. Sentaram-se. Olhos baixos, silêncio. Perguntei em que podia ajudá-los. A mulher permaneceu na mesma postura.
Ainda sem me olhar, o homem foi contando. Estavam casados há vinte e oito anos, cinco filhos, três netos. Contratou um jovem para ajudá-lo no trabalho da lavoura. Não é que a sem-vergonha fugiu com o sujeito? Deixou os filhos. Me abandonou. Logo agora, doutora, que não ando bem.
Fez um gesto que me deu a entender que se encontrava impotente. Continuou.
– Foi morar no município vizinho. Paguei a gasolina, e a Polícia foi buscar a fujona. Olha aqui, doutora.
Olhei. Mostrava os dentes. Os poucos que restavam.
– Deixei de fazer pra mim. Ela insistiu, e eu dei uma dentadura novinha pra ela. E agora, como fica?
A mulher ainda sem se mexer, sem levantar a cabeça, sem me olhar, sem contestar, deu uma puxada no vestido numa tentativa inútil de cobrir os joelhos roxos.
Já estava na hora de perguntar o que o homem queria. Perguntei.
– A dentadura, doutora. Não posso deixar ela rir pro outro com os dentes que paguei.