Crõnicas da Amendoeira ( Pret-à-Porter e o sobrinho )
Crônicas da Amendoeira ( Pret-à-Porter e o Sobrinho )
Estava eu na companhia de gélidas cervejas servidas pelo Márcio, e sob a proteção dos maravilhosos acepipes da Regina, quando ele chegou. Pelo sorriso, vinha satisfeito e afeito a narrar mais uma de suas histórias. Pret-à-Porter é uma espécie de mulato sabido oswaldiano, embora o controverso modernista não conste na lista de favoritos do bissexto amigo. De forte inclinação enclítica e amante do mais perfeito dos pretéritos, vinha falar-me de seu sobrinho de apenas doze anos e que tinha pela gramática um amor que só se consagra aos deuses. Corrigia a todos. Qualquer deslize, por mais ínfimo, experimentava o poder de sua palmatória.
-Professor, o garoto é a NGB encarnada! Viva!
Emprestei-lhe meus ouvidos a fim de conhecer esse pequeno gênio perdido em Rio das Ostras. Com um gosto absurdo pela denotação, tinha aversão pelo figurativo, essa pitada de condimento linguístico que apura o sabor da boa prosa. Quando tinha cãimbras, era a panturrilha quem doía. Decididamente, o tubérculo nâo lhe caía bem nas pernas. Preferia-o na forma de fatias fritas. A única menina-dos-olhos que conhecia era uma coleguinha da escola que, diga-se, fugia sempre que ele tentava se aproximar. Quanto às outras, eram apenas as suas íris de um azul celestial.
Sobre os entreveros que tivera com uns garotos da rua, relatou ao pai que recebera um grande soco no antro gástrico, sem tempo de revide. O fato é que o pai, apesar dos pesares, já decidira-se a resignar-se com a determinação do filho em nutrir pela catacrese uma ojeriza obstinada. Até que veio a gota d'água. Durante o jantar, após corrigir a mãe pela terceira vez consecutiva, o pai exasperou-se e ordenou, entre desespero e revolta, que o filho se retirasse da mesa! Este olhou firme para o pai e disse:
-Vou em boa hora!
Ao perceber a cara aparvalhada do velho, completou:
-Detesto também os casos especiais de catacrese!
A história parou por aí. Entusiasmado com a verve do sobrinho, Pret-à-Porter emprestava-lhe os traços aquilinos de um Rui Barbosa. Perguntou-me o que eu achava. Não lhe disse nada. Apenas ergui-lhe o copo para mais um brinde, pois quanto a mim, apenas um atento ouvinte, eu só via uma criança. E das mais chatas.
Rio Das Ostras
Abril/ 2007