COROA DE FLORES E QUEIMA DE VELAS

Inspirada por um texto que li esta tarde, aqui no Recanto – “coroa de flores”, resolvi escrever sobre esse tema mórbido.

Essa é a parte mais difícil da nossa existência: enterrar um ente querido. Passei por isso com a pessoa que mais representava na minha vida, o que tornou o episódio ainda mais cruel. É um momento triste, desesperador, angustiante, em que nos entregamos à dor, suportando um abismo diante de nossos olhos. Vivemos um verdadeiro massacre.

A experiência de ver sendo soterrado o corpo de alguém que amamos parece algo irremediável. Já vejo como algo desumano o velório. O que é, na verdade, esse momento: uma reunião de pessoas sofrendo, chorando, perguntando ao corpo sem vida “por quê?”... uma noite em que as pessoas (algumas, muitas vezes as curiosas) se esbaldam entre piadas, cafezinhos e biscoitos.

Velamos o corpo da minha mãe e eu me lembro de ter tocado nela, de ter acariciado seu rosto gélido, de pele tensa, sem viço, sem riso, diferente de como fora dias antes. Lembro-me também de a ela ter feito as minhas perguntas: “mãe, e agora, o que será de nós?”; “por que tão cedo, e dessa forma?”; “e tanta coisa que a gente tinha pra viver juntas?”.

Uma noite inteira de sofrimento. E eu me pergunto até hoje se daquele corpo ali imóvel já havia se desprendido o espírito, e se o nosso clamor não dificultava sua passagem. É tudo muito confuso na minha cabeça. E se o espírito ainda estivesse vivo e minha mãe lamentasse a nossa dor?

Pela manhã seguimos todos em viagem para Uruburetama, interior do Ceará, sua cidade natal, onde queria ser enterrada, segundo disseram alguns parentes. E eu demorei na casa onde ficamos instalados porque no fundo eu não queria viver aquele dia. Eu preferia que ele nunca tivesse existido.

Nas cidadezinhas do interior as pessoas seguem na rua, cantando e rezando, guiados pelo caixão sendo carregado por quatro homens, da capela ao cemitério. Não vi essa cena. E talvez pra minha família isso representasse desrespeito, mas nada disso. Agi covardemente. Meu coração não quis participar daquele ritual. Esta é a verdade: eu não quis.

Caminhei até o cemitério com certo atraso para não ter que ver descendo o caixão até o fundo da cova, os “sete palmos abaixo do chão” como ouvi tantas vezes. Cheguei e o que vi foi uma pequena montanha de areia. O caixão já havia sido posto lá dentro e aquela saliência de areia indicava o fim.

As pessoas choravam... meu Deus, que dor! Choro ao escrever isso porque as lembranças me vêm e eu não consigo suportar. É uma separação muito difícil. A vida se extingue de uma forma absurda, quase insuportável.

E a partir disso seguiu-se o ritual de visitas ao cemitério no Dia de Finados, com maços de velas e coroas de flores sendo levadas para o túmulo. Eu não gosto dessa visita, honestamente.

Pra piorar, teve um ano que meu pai, puxando um saco pra torná-lo visível, declarou:

- Aqui estão os ossos da Ceiça!

De dentro do saco retirou o crânio. Sinto arrepios de tão chocante que é recordar isso. Estavam intactos os seus cabelos. Olhei fixamente para o crânio, depois para os ossos, eu precisava internalizar que a vida é assim, ela acaba. E não há recurso, não há meio de mudar isso.

Mas, particularmente, nunca acendi velas pra minha mãe, nem comprei coroa de flores. Suponho que isso não fará diferença alguma no plano em que está. Respeito o simbolismo que isso tem para muitos, mas acho que as pessoas deveriam dar flores aos vivos, acompanhadas de declarações de amor ou de agradecimentos.

Em vida ela seria muito grata as minhas declarações, as flores, aos agradecimentos, se eu tivesse agido a tempo, como uma filha sábia que reconhece o valor que tem uma mãe.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 02/08/2013
Reeditado em 18/10/2013
Código do texto: T4416478
Classificação de conteúdo: seguro