O RANGER DO BALANÇO

O parquinho está vazio, o ranger do balanço enferrujado chama a atenção se movendo com a força do vento num ir e vir. Sinto falta dos gritos e risadas da criançada disputando os brinquedos. Na lembrança eu vejo a diferença dos dias que vivemos na nossa infância. Mães balançando os filhos com aquele cuidado e carinho. Hoje o silêncio triste que enfada traz recordações da alegria e da farra. A gritaria que não se ouve mais.

As folhas de Ipê caem, o vento as leva na direção do lugar do descanso...
Espalhadas vão compondo o cenário tosco. O descuido e o abandono são sinais de valores mudados. No alto observo pipas com cerol numa grande batalha, onde meninos e adolescentes disputam com certa emoção qual pipa fará o  voo com manobras difíceis, subidas, descidas e volteios perigosos, em combate aéreo, mostrando exibição de perícia.

A visão melancólica e vazia, prevalece na indiferença do significado das coisas, as pessoas preenchem o tempo no que é importante pra pensar. O egoísmo exacerbado, o individualismo excessivo apontam a mudança. Poucos se recordam do lugar de encontro de mães, avós e babás levando seus pirralhos para brincar no parque. Dias felizes de mulheres que guardavam experiências, quando tudo era mais simples. Deviam conversar sobre comportamentos, papos de família e troca de receitas de bolo. Era o encontro da criançada pura que se conhecia. No balanço, escorregador, gangorra, o contato com a terra era resumido no sorriso e no prazer natural. Hoje sou mero observador do retrato do que restou deste lugar que um dia foi parquinho.
A evolução trouxe a novidade comportamental. No decorrer da semana a socialização sendo feita dentro das creches, nos fins de semana a frequência nos clubes ou dentro de casa com os brinquedos eletrônicos. Aos poucos, modernidade em tempos de violência foi ganhando da simplicidade. Os pequenos assaltos e sequestros relâmpagos contribuíram para expulsar a liberdade das pessoas. A inocência de crianças que só queriam brincar foram afetadas. O lugar comum tornou-se lugar pouco frequentado... abandonado. O brinquedo da praça,  a espera de alguém se cansou, foi se autodestruindo com a maresia e o descuido. Não há mais crianças no balanço, na gangorra, escorregador e nos outros brinquedos.
Homens e mulheres passam ao longe apressados, quanto mais correm na ansiedade de conseguir um lugar melhor ao sol, o tempo avança. Houve época que o tempo não passava. Durava o dia inteiro, demorava pra gente crescer, e como era gostoso ser criança com aqueles brinquedos que a gente sonhava, tocava, inventava. A criatividade aflorava em nosso ser.
Sem a paciência, a depressão foi ganhando espaço, agora notamos o abatimento, o desânimo e a inércia. Ansiedade notória nos indivíduos que vivem enclausurados por muros e antemuros dentro de si.
A evolução tem deixado adultos e crianças nos seus lares. O mundo virtual está ocupando a mente humana, brinquedos eletrônicos deixaram de ser opção, tornando-se paliativos para a solidão. Poucos conhecem o rangido do balanço enferrujado, do escorregador que dava aquele friozinho na barriga e o jeito inocente de sorrir, de pular como criança. Alguns pequenos e grandes não estão percebendo a extinção da graça, o jeito de brincar.
As músicas infantis que se aprendia na escola eram repetidas em brincadeiras nos parquinhos no meio da criançada, batendo palmas, batendo o pé...( quem se importa?). Agora vejo a gangorra quebrada, a força do vento mover o balanço... o ranger do balanço enferrujado cantando ao vento, sem crianças, sem ninguém, na triste melodia de despedida no parquinho deserto.
Alberto SL
Enviado por Alberto SL em 01/08/2013
Reeditado em 01/08/2013
Código do texto: T4414312
Classificação de conteúdo: seguro