INVEJA BRANCA

Das coisas que eu quis aprender na vida, mas não as desenvolvi/ desenvolveram em mim, estão: dançar, cantar, tocar um instrumento e fazer poesia. Ao utilizar o verbo “desenvolver”, quero dizer que não creio que essas expressões de arte sejam exatamente inatas ou que sejam dons. Pode ser que o ambiente em que o sujeito viva o influencie, mas estou fadada a crer que ser artista requer, também, treinamento exaustivo.

Não posso dizer que eu seja uma total incapaz nessas minhas frustrações, mas estarei mentindo se disser que fico feliz quando meu corpo perde o ritmo, quando minha voz não alcança a maioria das notas musicais, quando me dão um violão e nele eu só consigo, mal, mal, dedilhar “A Casa do Sol Nascente”, ou quando leio os versos de pés quebrados feitos por mim, na década de 90, para as crianças do Colégio Cristo Rei darem-nos aos seus pais em datas a eles dedicadas.

Isso só faz aumentar o meu encanto por essas artes, por isso as valorizo e também aqueles que as dominam. Por isso compro CDs dos artistas que admiro e, quando posso, assisto a espetáculos, shows e peças teatrais. Minha fixação pelas artes cênicas é tamanha que escolhi incluir essa disciplina no curso de pós-graduação em “Competências Docentes”, que eu coordenei. Isso por que acredito que professores precisam desses conhecimentos para serem considerados realmente bons. Além disso, mais de uma vez, eu meti as mãos nos meus bolsos para “bancar”, integralmente, o mobiliário e o figurino de peças teatrais encenadas por alunos do meu querido e saudoso curso de Letras.

Tenho sorte de trabalhar na Faculdade Pitágoras de Linhares, que acredita que a cultura humaniza as pessoas e, de bom grado, costuma oferecer sua parcela de contribuição para transformação positiva da população onde está inserida. Graças a ela, ao Governo do Estado do Espírito Santo e à Secretaria Municipal de Cultura, no dia 19 de julho de 2013, tive o prazer de assistir, na primeira fila, ao espetáculo “Parem de falar mal da rotina”, estrelado pela jornalista, poetisa, cantora e atriz, Elisa Lucinda.

Durante quase quatro horas, eu me enterneci diversas vezes e ri da barriga doer, enquanto era levada a refletir sobre temas deveras importantes, como: educação, infidelidade, racismo, estética... Canta, declama e encena com competências jamais vista por mim, e se essas qualidades não bastassem, possui um bom humor contagiante.

Com ela descobri, por exemplo, que o monossílabo tônico que começa com C e termina com U não pode ter hemorroidas como eu, “inocentemente”, pensei com minha “cabeça suja” e verbalizei, pois pode, simplesmente, ser a palavra CÉU.

Por seu intermédio compreendi que ao optar pelo uso do formol nos meus cabelos, além de eu estar renegando as minhas origens das senzalas e de estar correndo risco de desenvolver câncer, eu estou perdendo uma “bolsa”, formidável, onde posso carregar dinheiro, óculos, caneta, cigarro e isqueiro.

Talvez o que de mais importante eu tenha aprendido com Elisa Lucinda é que não vale a pena vivermos em “cárceres”, normalmente, impostos por uma sociedade que opta por não pensar sobre as origens dos comportamentos, mas por seguir a moda ou o fluxo ditados por algum imbecil.

Lendo sua biografia no Wikipédia, descobri não apenas como se deu o início de sua gloriosa carreira, mas, também, que ela nasceu no dia 02 de fevereiro de 1958, em Cariacica, ES. Nesse ponto eu que, apesar de ser filha e neta de capixabas, nasci onde o exército brasileiro determinou; fui criança em Vila Velha, no bairro Glória, sendo alfabetizada no Grupo Escolar “Naydes Brandão”, sentindo o cheiro dos Chocolates Garoto, onde ela poderia ter frequentado também.

Vi que sou 03 anos mais velha que ela, mas quem me dera ter sido sua colega de escola, ter convivido com ela, e hoje ser considerada sua amiga de infância! Quem sabe eu não beberia das fontes que ela sorveu? Quem sabe eu não seria a primeira a ouvir a sua sensibilidade se aflorando nos seus belos versos? Quem sabe eu hoje não seria capaz de fazer, pelo menos, back vocal para ela?

Gostei muito do seu show e tive tanto orgulho de ela ser capixaba, que diversas vezes eu me disse: “Quem me dera ser sua amiga, meu Deus, quem me dera!”. Presumo, porém, que se algum dia ela ler esse texto, dirá divertidamente:

- Isso é inveja, minha santa! Sem essa de chamá-la de “branca”, hem, racista!

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 31/07/2013
Reeditado em 31/07/2013
Código do texto: T4413030
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