Pimenta nos Olhos Alheios
O Pastor Menestrel desceu carrancudo do seu carro preto. Preto também eram seus óculos escuros contrastando com o terno azul marinho. A bíblia inseparável estava presa embaixo do braço direito, porque a mão esquerda segurava firmemente a da esposa e Bispa que discretamente sussurrara um agravo ao jornalista que tentara interceptá-la com uma pergunta. Seria um dia como outro qualquer naquele distrito policial caso não fosse o crime hediondo cometido contra aquela tradicional família de Protestantes. Inicialmente a tentativa de esconder os fatos lograra êxito, todavia ao envolver a junta medica legal de uma Universidade o caso fora ventilando até tornar-se público e alvo de perseguições dos caçadores de matérias polêmicas.
Ninguém daquela cidade que contava nos seus dias atuais com quase trezentos mil habitantes, poderia esquecer o massacre dos homossexuais no natal do ano de 2002. A Festa de rua que segundo os organizadores começaria ali com o titulo de; O Renascimento do Cristo Purpurinado, apenas ensaiara em breves minutos com muitas plumas e paetês, alegria e beijos de pessoas do mesmo sexo, quando um ônibus pintado de cinza sem letreiros de identificação e sem placas parou no final da avenida onde seria a apoteose dos festejos. Por lá ficara de portas fechadas sem despertar suspeitas das pessoas que pulavam com copos de vinhos antecipando um “Feliz Natal”. Quando as portas daquele cavalo de troia contemporâneo se abriram, atiradores metralharam sem piedade quinze Bibas de unhas pintadas e cabelos com escovas progressivas.
Um verdadeiro mistério para o lugar, ninguém sabia de nada, inclusive um apagão e a fuga dos matadores no dia, parecia coisa de cinema. O silêncio imperava, doía na pele dos parentes que montavam plantões em frente à delegacia, mas nada de novo se publicava. Até que um Jornalista resolvera investigar por conta própria, solicitando ajuda de parceiros do Rio de Janeiro acostumados a lidar com crimes parecidos nas favelas pacificadas. No final do sexto mês a bomba explodiu nas páginas de “A Sonda Social” que era dirigido por ele. O Pastor Menestrel havia sido o mandante do crime e os executores eram fiéis preconceituosos, mas na rede também caíram muitos policiais envolvidos que perderam suas fardas. Infelizmente o Pastor fora absolvido, alegando perseguição religiosa. O júri por coincidência fora escolhido a dedos, sendo todos cristãos da mesma Igreja que o réu.
Depois disto o Pastor com sua influência interferira na Camara de Vereadores e na Assembleia Legislativa do Estado, conseguindo derrubar projetos que autorizava mulheres vitimas de abusos sexuais ao aborto e acompanhamento psicológico custeado pelo poder público. Sem nenhum pudor se pronunciava em seus veículos de comunicação como a voz da salvação, em alguns momentos lembrando a Eugenia Americana Hitlerista. Em frente ao delegado Menestrel apertava a mão da esposa e não cansava de vociferar injurias contras os flashes que clareavam feito fogos de artifícios ao chocar-se contra as lentes dos seus óculos. No final do depoimento em gesto furioso pediu que a Policia não poupasse esforços para prender o monstro que violentara a sua filha.
Dentro do carro antes que os vidros elétricos se fechassem, resolvera ouvir a insistência de um daqueles repórteres que parecia estar ao vivo para uma grande emissora de televisão, “Pastor agora que sua filha de nove foi estuprada e pelo que soubemos tudo indica que está grávida, o senhor continua contra o aborto nestes casos”? O vidro se fechou bruscamente e o carro preto passou o sinal vermelho.