Pacto de silêncio

Boa tarde! Muito obrigada! Tenha um bom dia! Ahn? O que você está falando? Quem é você? Você não tem o direito de falar comigo!

Alguém pode me dizer onde está a placa de “silêncio”? Não consigo vê-la, oras.

Ué, não podemos mais ser educados? Qual o problema de eu lhe dar um bom dia meu senhor? Quando fizemos esse pacto de silêncio que eu não me lembro? Quando disseram que é proibido abrir a boca dentro dos ônibus. É falta de educação sermos educados agora? Caramba! Só estou querendo ser gentil.

Repara, é só entrar no ônibus que a cara das pessoas vão se fechando, elas vão logo procurando um banco totalmente vazio – sim, porque sentar com estranho é tão estranho -, abrem suas bolsas, tratam logo seu som portátil, pegar seu livro, gibi, revista, papel de bala, embalagem de remédio, qualquer coisa que os faça totalmente anti-sociais, que não de liberdade alguma de que o fale qualquer coisa.

Outro dia eu estava sentada, antipaticamente lendo meu livro sentada num banco alto do ônibus, do lado do corredor porque tenho pânico só de pensar que alguma pessoa vai sentar ali do meu lado e me prender na janela, e quando eu pedir pra passar porque meu ponto vai chegar ele só vai virar as malditas perninhas para o lado do corredor ao invés de levantar, quando uma mulher parou na minha frente e ficou me olhando, eu não retribui o olhar mas sabia que ela estava ali me olhando, olhando, olhando, uns 10 segundos, até que eu a olhei e ela já estava com uma expressão obviamente enfurecida, como se eu pudesse ler os balões de pensamento dela. Eu continuei olhando e ela então se mexeu, fez sinal com a cabeça em direção ao lugar vazio do meu lado. Ah, eu ia adivinhar que ela queria sentar? Porque não falou logo? Não perderíamos tanto tempo nos olhando, mas daí eu lembrei as pessoas acreditam ter esse tal pacto e tudo ficou bem, ela sentou do meu lado e ficou olhando pra janela com medo de que eu lhe desse um bom dia ou comentasse sobre o calor de 43º que marcava naquele relógio da avenida que ela fixou os olhos.

E quando você dá a infelicidade de entrar num ônibus lotado? Nossa, ferrou! Pedir licença jamais, tem é que se esmagar todo e ir passando, quase como numa gincana, atravessar o ônibus esbarrando no menor número de pessoas possíveis. Agora é sua vez de procurar alguém antipaticamente isolado e sentar-se ao seu lado, mas nem pense em despejar uma palavra, contenha-se e contente-se ao seu espaço, afinal, você já estaria querendo demais não é?

Agora, se você deu a infelicidade maior de ficar de pé e ter que se segurar nos encostos dos bancos e ficar bem próximo da pessoa que está sentada do lado do corredor, quase como uma mãe protegendo seu filho da chuva, aí você é um coitado. O sujeito sentado vai passar o caminho inteiro te olhando torto e te detestando por estar batendo a bolsa nas pernas dele. Te oferecer para segurar sua bolsa? De forma alguma meu caro, até porque você também não aceitaria, suas mãos estariam ocupadas demais se segurando e segurando a bolsa para fazer gestos – já que a regra é: nenhuma palavra.

“Ninguém olha mais pra ninguém nesse mundo, por favor, alguém olhe para ela” já diria Tennessee Willians. Cada vez mais raros os contatos entre as pessoas. Dizem que é culpa do mundo contemporâneo. A verdade é que a culpa é de sempre querermos por culpa em alguma coisa pra tirar o nosso da reta. Agora, será que alguém pode me dizer onde está a maldita placa?

la belle de jour
Enviado por la belle de jour em 07/04/2007
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