Pauliceia acompanhada
A pior forma de solidão é a companhia de um paulista. Essa maldade não é minha, mas do Nelson Rodrigues, que sabia como ninguém dar ares de verdade eterna aos seus gracejos. E eu pensava com graça nessa frase depois de ter tido um dia cheio de companhias – e todas eram paulistas. Na véspera mesmo, ao invés de fazer turismo em São Paulo, eu havia passado a tarde inteira jogando conversa fora com uma paulista em uma banca de jornal. E ainda estaríamos lá, se não anoitecesse e a banca não tivesse que fechar. De lá ainda fui convidado para tomar generosa sopa na casa desta que é a mais ensolarada das paulistas. Há poucas pessoas capazes de fazer a mim, que quase não falo, conversar por horas seguidas.
Durante esses dias, estive bem hospedado na casa de uma família mineira, mas nem por isso menos paulista. Lá mora uma moça bastante simpática cujo nome significa esperança, mas que ainda não viu nada de especial nisso. Há dez anos compartilhamos melancolias que nela não aparecem à primeira vista. Tampouco apareceram enquanto estive lá. E ela me acompanhou até a Avenida Paulista, onde havia outras tantas companhias para encontrar.
Era gente que eu nunca havia visto na vida. Mas com eles eu havia partilhado nos últimos anos a maior parte das minhas leituras e dos meus palpites sobre literatura. Acreditem: somos uma comunidade do Orkut. Ainda existe Orkut. Expulsamos todas as pessoas de lá e agora temos uma rede social só para nós. Somos poucos, é verdade. Mas com que paixão debatemos livros e escritores! E ali estávamos alguns de nós, na Casa das Rosas, para tomar um café e descobrir quem exatamente existe atrás da tela do computador. Em mim descobriram uma voz que dizem ser de locutor. Nada sei. Eu descobri mais uma porção de pessoas ótimas para passar algumas boas horas em São Paulo.
Esta também foi a primeira vez na história da literatura que um escritor tomou conhecimento do seu próprio livro justamente no momento em que um leitor lhe pedia para autografá-lo. Assinei então a minha humilde coletânea de crônicas “Brasília quando perto”, que eu havia lançado sem ter visto o livro pronto. E ficamos todos conversando coisas que antigamente apenas escrevíamos. De repente, houve uma alusão à violência nas ruas em São Paulo. Só então me ocorreu o óbvio, ou seja, existe violência nas ruas em São Paulo. Lembrei que à noite eu estaria na Rua Augusta. São Paulo está cheia de pessoas para se encontrar!
Estive ainda em duas livrarias na Paulista, nas quais apliquei o meu método particular de avaliação, ou seja, o número de livros do Rubem Braga à venda – ambas reprovaram. Tudo isso devidamente acompanhado por gente que folheia livro como quem prova sapato. E assim chegamos à Augusta, onde me aguardavam 42,8% dos escritores do blog Vida a Sete Chaves. São três cronistas que um dia eu juntei no blog porque não queria ser cronista sozinho. E eu os juntei porque gostei do que escreviam, não por serem tão animados e divertidos como os encontrei. Cronista é um bicho muito bacana!
Pois é. Eu falo pouco e estava rouco no fim da noite. Que barbaridade. Disso tudo só posso concluir que, ao menos para mim, a pior forma de solidão é a ausência de um paulista!