O Papa e a Pomba
Não existe a menor dúvida de que a visita desse novo Papa ao Brasil nos coloca diante de um sucesso de público sem precedentes na história do Rio de Janeiro. Razão para inflamadas manifestações, ainda que esparsas, contrárias ao evento.
E também um sucesso da fé, ainda que pudéssemos nos ater a uma tentativa de discussão sobre a origem dessa fé. Ou seja, até que ponto pode ser essa fé encarada apenas como um sentimento que está dentro de nós, ou dos peregrinos, ou se, apesar disso, é ela objeto de um engrandecimento favorecido pela mídia. Tipo, uma campanha publicitária.
De qualquer modo, não podemos deixar de aplaudir a alegria. Do encantamento que toma conta, neste sábado, de quase três milhões de pessoas na praia de Copacabana. De modo algum decepcionadas com o fato de o evento não ter se realizado em Guaratiba. O que, aliás, não teria sido mesmo possível, face ao lamaçal em que se transformou o terreno devido às chuvas. Um momento incontestável de energia positiva, apesar de tudo.
Deve ser ressaltado o fato de nesse período não ter havido crimes de morte relevantes, roubos de maiores proporções, noticias de estupros, assaltos a joalherias, etc. que merecessem maior atenção da mídia. A maior parte dela ocupada com a movimentação do Santo Padre. Parece ter havido uma trégua por parte dos marginais, bandidos, meliantes, etc. Ou terá sido esse tipo de noticiário estrategicamente deslocado de nossos vídeos?
Sabemos que o Papa é eleito por um conselho de cardeais. Um é escolhido dentre eles. E fica o mundo, ou mais especificamente a parte católica desse mundo, esperando pela fumacinha denunciadora da escolha.
Então, ao menos teoricamente, o Papa poderia não ter sido o Francisco. Mas o Aniceto ou o Manuel. E se tivesse decidido vir ao Brasil, provavelmente teria sido objeto da mesma demonstração de apego e carinho por parte deste nosso povo altamente católico. Ainda que não tivesse dado demonstrações de desapego, como deslocar-se pela multidão num veículo comum de vidros abertos o tempo todo. Ou de beijar várias criancinhas e bebês escolhidos aleatoriamente no meio do povo. Ou de se declarar contrário à riqueza a que se tem apegado o Vaticano, como é do conhecimento do mundo. Católico ou não. Ou ainda de achar que a Igreja necessita ser alvo de uma ampla reforma que possa, dentre outros aspectos, torná-la mais próxima dos fiéis. Como nós brasileiros necessitamos de uma reforma política que reduza um pouco o alargado fosso entre a elite e as classes não privilegiadas. Aproximando os mais necessitados dos que menos necessitam.
E seria ele tido como o Santo Padre entre nós, assim como pelo mundo católico. Donde concluímos – esperamos que não apressadamente – que o santo é escolhido por cardeais que nada mais são que homens como nós. A não ser que todos os cardeais sejam santos.
Essas dúvidas ou abstrações poderão ser objeto das mais exacerbadas críticas por pessoas de fé inabalável. Mas não é isso o que se pretende. Não interessa questionar a validade daquilo em que alguém acredita. É um direito que não se deve ter. Contudo, dada à capacidade que o Criador deu a cada um de poder raciocinar, podemos ter, sim, o direito de tentar o estabelecimento da essência da fé. Algo assim como buscar a purificação de algo em que também não deixamos de acreditar. Mas cujo âmago nos pareça encoberto por uma casca de expressiva espessura.
Nesse sentido, poderíamos também nos indagar a respeito das razões que levaram o Papa Francisco a escolher o Brasil. Antes de mais nada, o Brasil é considerado o maior país católico do mundo. E a visita ao nosso país já constava da programação do Papa anterior. Alguns consideram essa visita como parte de um plano do Vaticano para o resgate de uma influência que já não tem, no continente tido como o mais católico do planeta.
Ninguém duvida de que a Teologia da Libertação, reprimida com vigor pelo Vaticano, pudesse merecer maior apoio popular entre os praticantes do catolicismo em nosso país. Ocorre que o Vaticano, desde o Papa João Paulo II, ou muito antes dele, sempre estando ao lado do pensamento ocidental, optou pela desestruturação da Teologia da Libertação. O que liberou espaço para as tendências evangélicas que proliferam em nosso meio. Espaço que precisa ser recuperado pela Igreja católica.
A decisão, portanto, de o Papa Francisco vir ao Brasil não deve ter cabido somente a ele. E sim a estratégias concebidas por importantes organismos do Vaticano, tais como a Cúria Romana ou mesmo a poderosa Opus Dei. Sem falar na presença latente de determinadas potências ocidentais.
É de se notar o contraste entre a figura do Papa anterior, carrancudo e mesmo antipático, e a do Papa Francisco, ameno, cordial e sempre sorrindo. Próprio de uma liderança destinada a obter um número maior de adeptos e apreciadores. O que favorece o aspecto publicitário do trabalho jornalístico e midiático.
Rio, 27/07/2013