ENTERRO DE MARIGHELLA:DEU ”FURO” JORNALISTICO.
Muito embora a vida do “inimigo numero um” da Revolução de 1964 já foi objeto de filmes e até livros publicados...tudo isso já ocorreu,no entanto em nenhum momento há referências a um acontecimento importante, do qual participei quando trabalhava na Agência Folha, da FOLHA DE S.PAULO,como repórter.
Ao final do ano de 1969, quando estava a serviço do grande jornal, a chefia de reportagem pediu-me para ir até o Instituto Médico Legal,em Sampa, para saber quando dois jovens norte-americanos iriam ser transladados para os EUA,após,inadvertidamente entrarem à noite numa chácara na periferia de Sampa e foram mortos pelo proprietário,pensando que eram “ladrões”.Estavam seus corpos no IML.Sabem como o governo norte-americano se interessa pelo destino de seus compatriotas...Havia pressão.
Saímos da Barão de Limeira(sede do jornal)- de VW de cor amarela e branca,onde estava estampado o logotipo do jornal,motorista e mais fotografo.Ao chegarmos no IML estava uma enorme corda circulando o velho prédio,cheio de policiais militares,que impediam a aproximação de qualquer viatura particular próximo ao local.Um esquema de guerra e segurança máxima...ao aproximarmos da corda, um PM gentilmente disse que lá não podia parar...ordens superiores. Aí caiu a “ficha”... o corpo de Carlos Marighella estava também no IML,já necropsiado e ninguém poderia entrar no prédio.Verdadeira praça de guerra! Como sabíamos do boato que corria nos meios de comunicação de que a “guerrilha” poderia seqüestrar o corpo de Marighella e levá-lo para Cuba...(naquela época tudo era possível),as autoridades de segurança faziam “SEGREDO DE ESTADO”, onde seria o ex-revolucionário enterrado.Tinham um corpo e ninguém da família reclamava. Recorde-se que Carlos Marighela era baiano,filho de um operário Augusto Marighella,imigrante italiano e da mãe baiana,Maria Rita do Nascimento,negra e filha de escravos,vindos do Sudão. Só para lembrar Marighella foi morto em 4 de novembro de 1969, numa emboscada em Sampa,na Alameda Casa Branca,numa operação do DOPS chefiada pelo então delegado Sérgio Paranhos Fleury. Nessa emboscada também morreram duas pessoas:uma investigadora de polícia,que fingia estar namorando alguém,na calçada, onde Marighella apareceu, mais um protético que nada tinha que ver com o fato,(transeunte) e saiu ferido também um outro delegado de polícia que participava da “caça” ao ilustre terrorista,que foi integrante do Partido Comunista,tinha sido deputado federal (cassado,na época de Getúlio Vargas)e na época era o comandante da ALIANÇA LIBERTADORA NACIONAL.(ALN).
A TENSÃO NO LOCAL ERA GRANDE E AS AUTORIDADES NÃO SABIAM ONDE ENTERRAR O ILUSTRE(TEMIDO)DEFUNTO...
Mesmo com a proibição de não permanecer no local- nem saímos do VW- um soldado gentil e camarada,pensando que estávamos atrás de saber aonde iria ser enterrado Carlos Marighella,para se ver livre da gente, chegou próximo e disse: “Não falem para ninguém mas o homem vai ser enterrado no Cemitério da Vila Formosa...”
Embora não tivesse rádio o VW,para avisar a Redação, deixamos o local e abandonamos os norte-americanos(defuntos- nada tinham a ver com o ex-guerrilheiro)...E,rumamos,incontinente, para o cemitério da VILA FORMOSA.Isto era por volta das 10 horas da manhã... e logo chegamos na zona leste de Sampa,onde se situa o enorme cemitério,aguardando a chegada da “comitiva oficial”...Para quem não conhece, o cemitério de VILA FORMOSA,ao contrário dos congêneres que tem túmulos suntuosos e aquelas parafernálias que até nos agridem, é local da maior pobreza no gênero...chão puro,terra,algumas cruzes sem ostentação,outras já degradadas pelo tempo.Silêncio total. É enfim a cidade dos mortos pobres da Capital e olhando da entrada,parece uma cidade sem nenhuma vida,além de coveiros,desalinhados...Desalento total.
O carro foi deixado escondido,fora do cemitério...e fiquei só com o fotografo. Perguntamos aos coveiros se alguém fosse enterrado naquele horário, já era 11 horas, onde seria o sepultamento. Eles indicaram um local,onde acabava de ser enterrada uma garota que morreu de tuberculose...família de 3 ou 4 pessoas,o pai e então comecei a procurar saber da história dessa criança,recém-enterrada. Para espanto da família,estranhando a circunstância,pouco falaram,mas deu uma pequena história,enquanto aguardávamos aquele ilustre defunto,procurado “vivo ou morto” pelas autoridades da época.O fotógrafo- cujo nome não me recordo,embora muito amigo e companheiro- portava uma máquina moderna com telescópio e desse aparelho a gente via o local principal,possivelmente,onde chegaria o corpo tão disputado pelos guerrilheiros,da época.Agora,objeto de nossa missão!!
Aquele dia o Sol brilhava em Sampa e nós dois,entre os túmulos miseráveis,o suor na testa já dava sinais de que lá não era nossa praia.
Quase ao meio dia, finalmente,pela teleobjetiva o fotografo disse que o momento havia chegado e um caminhão coberto todo de lona,da Polícia Militar, trazia o caixão do ex-guerrilheiro,descendo pelos corredores do enorme cemitério.Aí disse-comece a fotografar,comece a fotografar...não sabemos o que vai acontecer com a gente!!!
Atrás de um caminhão de lona cinza(para disfarçar) vinha uma comitiva de viaturas oficiais e carros de placas “frias”,chegando exatamente onde estávamos...Imediatamente,uma fila de investigadores armados veio em nossa direção,para nos deter e nesse momento difícil,pois,de longe a máquina fotográfica com tele,parecia uma arma...O clima ficou insuportável,até o momento em que desceu de uma viatura oficial,perua, o dr. Alcides Cintra Bueno ,que o conhecia do DOPS, quando cobri o inicio da “Revolução de 64”, pelo ESTADO DE S.PAULO. Ao chegar,o delegado Alcides Cintra perguntou quem tinha informado onde seria o sepultamento? Respondi que foi uma casualidade, e ele como me conhecia, aceitou o fato como consumado. Pelo rádio da viatura falou com o diretor do DOPS,dr. Homero informando que a imprensa, infelizmente, estava no local. Pelo rádio –ouvimos a seguinte ordem- “só que não tem fotografia”.Após o enterro poderíamos,somente, fotografar o túmulo...Para não contrariar,nem mesmo a máquina ser apreendida,concordamos com tudo...Embora,não falamos,que pela tele já havíamos fotografado a entrada da comitiva e que comitiva...Não fosse dr.Alcides seriamos presos...
Dada a ordem para o retirar Marighella e desembarcar do grande caminhão...o caixão era de uma pobreza franciscana e foi aberto,na presença de todos,quando dr.Alcides mandou abrir a urna e fez uma breve oração e um minuto de silêncio. Marighella- ao que soube foi enterrado com roupa doada por um delegado de polícia,pois,na emboscada na Alameda Casa Branca estava em trajes esportivos...A família jamais esteve presente desde que foi encurralado e morto.Ninguém reclamou o corpo e coube ao ESTADO o dever de sepultá-lo.No local pobre e como indigente...
Carlos Marighella foi finalmente enterrado. Colocado uma cruz com um número que agora não me recordo, mas foi ao lado da menina que morreu com tuberculose...Esta morreu por doença,aquele por morte matada,por ideologia que jamais abandonou na vida desde estudante de engenharia...Viveu e morreu na pobreza...bem diferente dos que ontem e hoje avançam contra os cofres públicos e passam por “honestos”.
Esse baiano sempre –ao longo da vida- desde Getulio Vargas, com Filinto Müller,homem forte da época,no Rio, até o último suspiro,em 1969,em SP, teve adversários e regimes fortes,morrendo por uma causa,cujo mérito não vamos discutir.A polícia quase sempre está à disposição do poder de plantão,em qualquer lugar do mundo...Ora é aplaudida,ora é vaiada.Assim caminha a humanidade!!
Os “guerrilheiros”-na clandestinidade,não conseguiram levar o líder para Cuba,como se comentava...Há tempos exumado, hoje repousa na Bahia,por vontade dos familiares...
“SEGREDO DE ESTADO” NÃO EXISTE PARA NÓS,JORNALISTAS.
Esse fato não está em nenhum filme, nem outro qualquer livro do gênero...
ENTERRO DE CARLOS MARIGHELLA:FURO JORNALISTICO!!